Em ‘Vitória’, Fernanda Montenegro é mais uma brasileira querendo justiça 

Passada a euforia do Oscar, o cinema brasileiro lança cartadas para que a temporada de 2025 seja tão promissora em termos comerciais e de reconhecimento como a do ano anterior. Para isso, entretanto, são necessárias grandes histórias e elementos que não decepcionem o espectador confiante nas produções nacionais.

O primeiro título capaz de se enquadrar neste perfil de mercado e qualidades artísticas é Vitória, que, sob a direção de Andrucha Waddington, chegou às salas esta semana. O grande trunfo do filme é Fernanda Montenegro, que, aos 95 anos, adiciona mais um desempenho memorável a sua extraordinária trajetória.

Fernanda MontenegroMas além dos méritos óbvios, Vitória apresenta um surpreendente roteiro de Paula Fiuza, daqueles que mais parecem fruto da imaginação de um grande ficcionista – mas inspirado numa história real, extraída do livro Dona Vitória Joana da Paz, de Fábio Gusmão, e pautada em conflitos sociais e íntimos em medida exata para comover o público e reverberar na mídia.

Dona Nina, a personagem de Fernanda, é uma aposentada que desmantela uma quadrilha da comunidade que avista da janela de seu apartamento em Copacabana. Inconformada com a insegurança e o descaso da polícia, a idosa compra uma câmera e filma o movimento observado entre os vãos da persiana.

De posse dos registros, Nina ganha o apoio do jornalista Fábio Godoy (interpretado por Alan Rocha) e da inspetora Laura Torres (papel de Laila Garin), que abraça a investigação e prende mais de 30 envolvidos, incluindo policiais corruptos. Entre a emoção e retrato da realidade social, Vitória, mesmo longe de uma obra-prima, carrega apelo natural para se comunicar com grandes plateias.

A trama se estrutura em uma personagem que superou uma infância miserável, um abuso sexual na juventude, e, depois de décadas como empregada doméstica, completa o orçamento como massoterapeuta. Nina, porém, jamais se mostra como vítima. É destemida, não cala a boca e, acima de tudo, acredita no futuro.

Através de dois personagens, ela espelha a confiança no ser humano e em dias melhores. A relação carinhosa com Marcinho (Thawan Lucas), um garoto da comunidade, é uma bandeira deste otimismo. Da mesma maneira, o acolhimento à vizinha transexual Bibiana (representada por Linn da Quebrada) mostra que elas estão do mesmo lado, sobrevivendo ao preconceito dos moradores do prédio.  

Com seu estrondoso talento, Fernanda Montenegro é uma intérprete que fala com os olhos – e vários momentos do filme comprovam isso. Em uma cena emblemática, a personagem se assusta quando uma bala perdida atinge a sua casa e derruba a xícara em que bebe café.

A tentativa inútil de colar os cacos de porcelana serve de metáfora para o desejo da protagonista de reencontrar o sossego. Quando é comunicada pela polícia de que precisa sumir para que sua vida não seja exposta, ela dispara, entre a indignação e a tristeza, “vocês querem que eu morra para não morrer?”.     

A verdadeira Nina se chamava Joana Zeferino da Paz (1925-2023) e talvez o roteiro cinematográfico confira um certo romantismo à inspiração original. Vitória foi o nome adotado quando ela passou a ser amparada pelo Programa de Proteção a Testemunhas e deixou o Rio de Janeiro. A identidade só veio à tona depois de sua morte, aos 97 anos, em Salvador, com as filmagens encerradas.

Um feito do destino fez com que o longa mudasse de mãos. Vitória começou a ser rodado pelo cineasta Breno Silveira (Dois Filhos de Francisco), que enfartou, aos 58 anos, no início dos trabalhos, em 2023. Waddington, genro de Fernanda e um dos sócios de Silveira na Conspiração Filmes, assumiu o projeto e retoma parceria com a sogra ilustre que teve o ápice no longa Casa de Areia (2005).

Assim como Ainda Estou Aqui, o vencedor do Oscar de melhor filme internacional, Vitória é solidificado na trajetória de uma heroína que derruba todas as barreiras em nome do seu objetivo de justiça.

O Último Azul, longa de Gustavo Mascaro, premiado com o Urso de Prata no recente Festival de Berlim, traz uma personagem da mesma raiz. Outra atriz gigantesca, Denise Weinberg é Tereza, uma idosa que recusa o exílio imposto pelo governo e embarca em uma travessia pelos rios da Amazônia.

Em comum, os três filmes narram a obstinação de grandes mulheres – reais ou fictícias – que contribuem para o debate pulsante do feminismo sem tons panfletários ou exagerados. Desta forma, o público, inclusive das plateias internacionais, se identifica com maior facilidade, e o cinema brasileiro pode permanecer em uma vitrine em que sempre encontrou dificuldades para se posicionar.

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