Cinza de murumuru no cimento: pesquisa revela alternativa sustentável para a construção civil

Tradicionalmente conhecido por seu uso na indústria cosmética, o murumuru, nativo da floresta amazônica, pode ganhar um novo e promissor destino: a construção civil. Um estudo conduzido pelo Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia da Universidade Federal do Pará (UFPA), em parceria com o Instituto Federal do Pará (IFPA) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), revelou que as cinzas da casca da semente, ao serem incorporadas ao cimento, resultam em um concreto sustentável, com melhor impermeabilidade e maior durabilidade.

A pesquisa, divulgada pela Agência Bori e publicada na revista Ibracon de Estruturas e Materiais, do Instituto Brasileiro de Concreto, analisou o uso da cinza da casca do murumuru (CCM) como substituição parcial do cimento no concreto estrutural. O estudo avaliou as características físicas, químicas e mineralógicas da cinza, seu papel como filler no concreto e suas propriedades, tanto no estado fresco, quanto endurecido.

Para isso, a CCM passou por diversos ensaios físico-mecânicos, como determinação da massa específica, testes de atividade pozolânica com cimento Portland e com cal, além do ensaio BET. Também foram realizadas análises mineralógicas e químicas da cinza.

Os resultados indicaram a viabilidade técnica da substituição parcial de 6% de CCM no cimento, com o uso de aditivo plastificante para melhorar a trabalhabilidade. Além disso, houve melhora nas propriedades físico-mecânicas e na durabilidade do concreto.

Segundo Milleno Souza, mestre em Engenharia de Infraestrutura e Desenvolvimento Energético da UFPA e autor da pesquisa, a CCM contribui para a produção de um concreto mais leve e ecologicamente correto, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa, economizando recursos naturais e evitando a disposição inadequada do resíduo ou sua queima, que resultaria em mais poluentes.

concreto sustentável
Mileno Souza (Foto: Acervo pessoal)

“Os principais benefícios para o meio ambiente são a redução das emissões dos gases de efeito estufa, causado pela fabricação do cimento, e a conservação das florestas, pois as comunidades terão um incentivo maior para preservá-las ao utilizarem o murumuru de novas formas”, afirma Souza. “Essa solução pode ainda beneficiar cooperativas agroindustriais e fortalecer as comunidades locais amazônicas, levando investimentos e incentivos até elas, criando uma nova fonte de renda para a região.”

Concreto sustentável, mais durabilidade e melhores propriedades físicas

Concreto sustentável (Foto: Mileno Souza)

A motivação da pesquisa foi estudar um resíduo amazônico aplicado ao concreto, assim como já ocorre com a casca do arroz e a cinza do bagaço de cana-de-açúcar.

Durante o estudo, a CCM passou por um processo químico em forno convencional para a redução de sua massa, prática comum na região amazônica. Em seguida, o resíduo foi triturado e peneirado. A massa obtida passou por análises físico-mecânicas, mineralógicas e químicas para viabilizar seu reaproveitamento integral.

“A etapa mais desafiadora foi o processo de trituramento e peneiramento até que se alcançasse o tamanho filler (um material fino suficiente para ser capaz de preencher os espaços vazios entre os grãos de cimento)”, explica Milleno.

Além disso, foram realizados testes de fluorescência de raio-X e Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) para determinar a composição elementar da cinza e identificar quais elementos poderiam contribuir para a mistura com o concreto.

“Fizemos ainda um ensaio de resistência à compressão para verificar se houve ganho de resistência com a adição da cinza e um teste de absorção por capilaridade para avaliar se o concreto ficou mais impermeável.”

As análises concluíram que, com a adição de um aditivo plastificante para melhorar a trabalhabilidade do concreto, o material pode substituir parcialmente o cimento, resultando em um concreto sustentável – mais durável, com melhores propriedades físicas e benefícios tanto para a construção civil quanto para o meio ambiente.

Desafios e perspectivas

Entre os benefícios do concreto sustentável, destacam-se a redução da porosidade da estrutura, tornando-a mais impermeável, e a diminuição de seu peso. “Uma das principais diferenças é que esse concreto utiliza menos cimento do que o tradicional, pois parte dele é substituída pela cinza vegetal. No entanto, buscamos fazer com que suas características e desempenho fiquem o mais próximo possível do concreto convencional”, afirma Souza.

Novos estudos serão conduzidos para ampliar a aplicação da CCM. “Queremos, por exemplo, testar a cinza sob temperaturas variáveis e avaliar seu desempenho em diferentes dosagens de concreto. Também planejamos queimar as cascas em temperaturas mais controladas e realizar uma análise termogravimétrica”, comenta o pesquisador. “Mas, hoje, já existe um grande potencial para a aplicação do material, ao menos em escala regional.”

Sobre a aceitação do mercado da construção civil para soluções como essa, do concreto sustentável, Souza acredita que depende da disposição da indústria cimenteira em incorporar o estudo aos seus produtos. “A sociedade tende a ser conservadora e a utilizar materiais tradicionais, muitas vezes por falta de confiança em alternativas mais sustentáveis. Mas isso faz parte de um processo de mudança de mentalidade. É preciso demonstrar que novas soluções podem ser tão ou mais eficientes do que as convencionais”, enfatiza.

Ele destaca ainda que o estudo do uso da CCM pode abrir caminho para novas pesquisas e incentivar políticas públicas voltadas para soluções sustentáveis. “A Amazônia possui uma grande diversidade de resíduos vegetais que podem ser estudados. A regulamentação e o incentivo governamental são fundamentais para impulsionar esse tipo de inovação na construção civil”, conclui Souza.

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