O lado italiano de Claude Troisgros

Que Claude Troisgros é um dos franceses mais brasileiros de que se tem notícia, a gente já sabe. Mas o que muitos desconhecem é que o chef nascido em Roanne, em um dos mais célebres clãs da gastronomia francesa, tem também profundas raízes italianas.

Sua avó materna, Anna Forte, nasceu na Itália e migrou para a França durante a Segunda Guerra Mundial. Enquanto os pais do chef trabalhavam no restaurante da família em Roanne, Anna tratava de cuidar – e de alimentar muito bem – Claude e seus irmãos.

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Um pouco dessas memórias gastronômicas podem agora ser conferidas no cardápio do Bistrot du Quartier, restaurante do chef no Itaim-Bibi, em São Paulo, que foi recentemente ampliado. O spaghetti com frutos do mar e molho à la marinara, com tomate, alho e manjericão, e o risoto de costela braseada por 12 horas, servido com folhas de agrião, são algumas das atrações da seção do menu batizada de “Mon Côté Italien” (meu lado italiano). A seguir, Claude Troisgros conta um pouco mais de suas origens e compartilha lembranças saborosas de sua infância.

claude troisgros

Risoto de costela braseada.
Foto: Ricardo D’Ângelo

Poderia contar um pouco sobre suas raízes italianas?
Então, minhas raízes italianas vêm da parte da avó, Anna Forte, que fugiu da Itália durante a guerra com as duas crianças e chegou na França para procurar um trabalho. A guerra acabou e ela arrumou um trabalho no norte da França, numa fábrica de telhas. Isso com as crianças, assim, com 8 ou 10 anos. Passou o tempo, a minha mãe cresceu e começou a trabalhar bem jovem em Paris, entregando leite, aqueles galões de leite enormes, principalmente em restaurantes e lojas de comida. E um dos restaurantes em que ela entregava leite era o Maxim’s, de Paris, onde meu pai trabalhava. E assim eles se conheceram.

Como esse lado italiano influenciou sua personalidade?
Minha avó, Anna Forte, educou a gente em Roanne. Depois que meus pais se casaram, pegaram o restaurante da família e trabalhavam muito, passavam o tempo inteiro, basicamente, atendendo os clientes no almoço e no jantar. Meu pai na cozinha e minha mãe na recepção. Então, a gente morava – eu, meu irmão Michel e minha irmã Anne Marie – perto do restaurante, na casa da minha avó. Na verdade, era a casa do meu pai, mas a minha avó que morava lá. E minha avó educou a gente totalmente: café da manhã, almoço, jantar, dia de brincadeira, domingo, enfim. Ela era italiana e falava francês igual eu falo português, então, era essa alegria da Itália o tempo inteiro dentro de casa

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A seção Mon Côté Italien tem receitas inspiradas nos pratos preparados por sua família materna, certo? Poderia compartilhar alguma memória dessas refeições e de como era sua avó na cozinha?
É isso, no cardápio do Bistrot du Quartier tem um quadrinho com um monte de receitas italianas para homenagear a minha avó. Ela cozinhava muito, muito bem. A casa tinha cheiro de tomate, de manjericão. Tinha um molho de tomate que não parava de ferver o tempo inteiro. Tudo que ela descascava, osso de galinha, osso de boi, botava tudo no molho de tomate, que fervia 24 horas por dia. Então, as nossas roupas, o cabelo da mémé Forte, as cortinas da casa, tudo cheirava a molho de tomate. E todos os domingos a tradição era fazer os gnocchi, os gnocchi da minha avó, com molho de tomate, manjericão e parmesão. Era um momento muito especial: a gente enrolava, cortava os gnocchi, cozinhava os gnocchi para a família toda, meu pai e minha mãe vinham. Era um momento maravilhoso de família. E foi assim que a gente foi educado: com massa, polenta, risoto e gnocchi. Minha avó era uma pessoa muito alegre, que tinha seu copo de Chianti todos os dias na mesa, cantava música italiana, “O sole mio”. Com a minha mãe, ela falava italiano. A gente não fala italiano, eu e meus irmãos, só que a gente entende tudo, porque elas falavam entre si em italiano. Enfim, era maravilhoso.

spaghetti claude troisgros

Spaghetti com frutos do mar.
Foto: Ricardo D’Ângelo

O que você mais aprecia na culinária italiana? Quais seus ingredientes preferidos nessa cozinha?
O que eu aprecio na cozinha italiana é justamente essa alegria, essa leveza que ela tem, com ingredientes muito frescos, como o tomate, o manjericão, o parmesão, a mozarela de búfala, o milho e outros. A culinária italiana é vasta, é uma cozinha que faz bem à alma. Uma cozinha simples, do dia a dia, gostosa. Uma cozinha que a gente fica com vontade de comer, principalmente eu, que fui educado com isso. Então, tem essa vontade de comer o tempo inteiro a massa, entendeu?

Você é francês, tem raízes italianas e absorveu também o espírito brasileiro. Em que momentos cada uma dessas nacionalidades predomina em Claude Troisgros?
Sim, eu sou franco-italiano-brasileiro! Então, o lado francês é mais o lado, vamos dizer, da cozinha, realmente. Eu presto muita atenção no produtor, nos pequenos produtores, nessa coisa de valorizar o ingrediente o tempo inteiro. Isso foi a minha educação culinária na França, onde a cultura, a história são muito predominantes, onde a arte faz parte do nosso dia a dia. E a comida também, né? A boa comida, a boa mesa, o vinho, o queijo, o pão. Esse é o meu lado francês. O meu lado italiano é esse lado engraçado, feliz, rindo o tempo inteiro, contando histórias, falando com as mãos. E o meu lado brasileiro é o lado de se virar o tempo inteiro, de tentar fazer dar sempre tudo certo, de colocar tudo numa facilidade, numa alegria, num lugar do sol, sempre, em tudo que eu faço. Então, esse é o meu lado brasileiro.

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