Quem foi Conrado Segreto? 

“Você conhecia Conrado Segreto?”, me pergunta Rita Segreto, irmã e guardiã do espólio artístico do estilista. Gaguejo antes de responder. É o tempo para a cabeça processar que ela não questiona se o conheci pessoalmente – afinal, o designer morreu um ano antes de eu nascer, em 1992. Rita quer entender se sei quem ele foi. Ela sente que parte das novas gerações, até mesmo os interessados por moda, desconhece cada vez mais o legado de seu irmão.

Croqui de moda feito pelo estilista Conrado Segreto

Croqui de Conrado Segreto.

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Nosso encontro acontece no campus Cidade Jardim do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, na manhã da terça-feira, dia 29 de abril. Lá, a marca Carol Bassi, dos cofundadores Anna Carolina Bassi (também diretora criativa) e Caio Campos, anuncia o projeto “Carol Bassi visita Conrado Segreto”. O objetivo é preservar o legado do estilista paulistano, um dos maiores do país na virada dos anos 1980 para os 1990. 

Ao nosso redor, estão 15 desenhos nunca antes vistos assinados pelo criador. São croquis da primeira coleção desfilada por ele, em maio de 1989, na Casa Rhodia. As modelos que participaram daquela estreia, e acabaram por virar suas musas, estão presentes: Alessandra Berriel, Claudia Liz, Laura Wie e Silvia Pfeifer. “A gente nem precisava fazer prova de roupa, porque geralmente se encaixava perfeitamente em nossos corpos”, lembra Alessandra. 

Carol Bassi confirma a impressão de Rita: “Entre dez pessoas com as quais conversei, oito delas não conheciam a trajetória de Conrado”. Ela própria, estilista com uma década de mercado, só mergulhou com mais propriedade nessa história no final de 2022. Foi naquele ano, que a diretora de criação conheceu a irmã do couturier. 

Croquis inéditos do estilista Conrado Segreto.

Croqui de Conrado Segreto.

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Croqui de Conrado Segreto.

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A ponte foi feita por Davi Ramos. Ao lado de Flavia Pommianosky, o stylist é responsável pelas imagens de campanha da grife. Ele se apaixonou pelas criações de Conrado em 1985, quando começou a trabalhar com moda, aos 19 anos. “Tive contato com ele duas vezes, durante alguns projetos. Eu era encantado não só pelas roupas, mas pela personalidade enfant terrible. Aquele humor ia parar nos looks”, diz.

O comentário era comum nos textos das editoras de moda da época. Os seus vestidos de festa tinham uma pitada de ironia em relação ao sonho e à fantasia, até de um jeito exagerado. Não à toa, o estilista era comparado a nomes como Christian Lacroix e Saint Laurent, pela ousadia e coragem de não se limitar e temer possíveis excessos. 

Depois que Conrado faleceu, Davi conheceu sua irmã. “Criamos um contato cordial. Pedia vestidos do Conrado para produções autorais que fazia”, fala. Uma delas foi um ensaio fotográfico para Carol Bassi. “Quando o Caio (Campos) viu as roupas, ele se lembrou da avó, que chegou a ir em um dos desfiles de Conrado”, conta.  

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Modelo com look Conrado Segreto.
Foto: Fernando Louza

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Em dezembro de 2022, o empresário encontrou Rita com a proposta de elaborar uma coleção da Carol Bassi inspirada no costureiro. Acontece que o destino reservava mais uma conexão: Julia Segreto. A sobrinha de Conrado é também estilista e iniciou a carreira na Huis Clos, de Clô Orozco, passou 11 anos na equipe de estilo da NK Store, e hoje é gerente de pesquisa e desenvolvimento da Carol Bassi.

“As lembranças que tenho do meu tio são de quando eu era muito criança. Como quando pedi para ele comprar um vestido florido e romântico, e ele detestou o estilo, mas me deu mesmo assim. Ele é o motivo pelo qual sou designer”, afirma. Em agosto, Julia assinará a coleção inspirada no acervo de Conrado Segreto para a marca de Carol. 

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Modelo fotografada em Paris com look Conrado Segreto.
Foto: Fernando Louza

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A apresentação vai ganhar um desfile, ainda sem local definido. As criações devem recuperar elementos significativos do trabalho do estilista, como o uso de cores em contraste e a variedade de texturas. “É um trabalho apurado de matérias. Fiquei impressionada pela qualidade, frescor e atualização de tudo”, antecipa Rita.

Também em agosto, Carol Bassi vai inaugurar uma exposição dedicada à obra de Conrado Segreto no atrium do Shopping Cidade Jardim. Com o intuito de  repercutir esse projeto nas novas gerações, Caio entrou em contato com Patricia Cardim, diretora-geral do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. A instituição irá incluir o trabalho do estilista com mais veemência na base curricular dos alunos dos cursos de design de moda, mídias sociais digitais e fotografia. 

Outra forma de evitar o esquecimento é com a presença digital ativa. Um perfil no Instagram, mantido pela marca Carol Bassi, passa a resgatar e compartilhar conteúdos sobre o estilista. Para acompanhar, basta seguir @ConradoSegreto.  

Croqui de Conrado Segreto

Croqui de Conrado Segreto.

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Afinal, quem foi Conrado Segreto?

Nascido no bairro da Vila Romana, em São Paulo, no dia 22 de junho de 1960, Conrado Segreto cresceu desenhando compulsivamente, de um jeito encantado pela silhueta feminina. Por influência da família, entrou para o curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mas largou tudo para se aventurar de forma autodidata no estilismo. Em 1983, já trabalhava em uma confecção de roupas infantis no bairro do Bom Retiro. 

No livro O Brasil na Moda (2004), Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, conta que viu Conrado pela primeira vez, em 1980, tocando piano no Espaço Off, um clube de música em São Paulo. Lá, ele fazia pequenos shows com jazz, pop e MPB no repertório.

Em 1986, Conrado integrou a Cooperativa de Moda, ao lado de Jum Nakao, Silvie Le Blanc, Walter Rodrigues, Maira Hilmenstein, Marjorie Gueller e Taísa Borges. O coletivo era formado por novos designers que se conheceram nos cursos ministrados, em São Paulo, por Marie Rucki, a conceituada diretora do Studio Berçot, de Paris. A iniciativa, contudo, teve vida curta – e um total de duas coleções. A primeira delas foi desfilada no Museu da Imagem e do Som (MIS), e a segunda, no Bufê França, com patrocínio da Tecelagem Brasil. Apesar da brevidade, o saldo foi positivo porque ajudou a projetar alguns estilistas. 

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Croqui de Conrado Segreto.

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Croqui de Conrado Segreto.

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Por volta de 1986, Conrado foi trabalhar como assistente de Gloria Coelho. “Sinto saudades dele”, recorda ela. “Ele desenhava com tanta naturalidade e rapidez, que parecia fazer isso como se estivesse respirando ou andando.” Dois anos depois, ele começou a investir na marca própria.

A estreia na passarela foi em 1989, na Casa Rodhia, com harpistas tocando música ao vivo – a trilha ao vivo virou uma marca registrada de suas apresentações. O espetáculo lhe rendeu uma matéria na revista Veja São Paulo, num período em que a moda raramente ganhava manchetes na imprensa. Suas linhas com jeito de alta-costura foram reportadas como um resgate do luxo e glamour que não se via mais.  

No segundo desfile, nas escadarias da FAAP, as modelos cruzaram o pátio da faculdade sob uma fina garoa e ao som de um pianista. A coleção posterior foi revelada no Museu do Ipiranga. O prédio teve a fachada colorida por luzes cor-de-rosa, a sua cor preferida, e as roupas apresentaram uma experimentação no prêt-à-porter. Na trilha sonora, o Coral Lírico do Theatro Municipal se fundiu à bateria da Escola de Samba Camisa Verde e Branco. Ao final, Pinah, icônica passista da Beija-Flor, fechou a festa. 

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Croqui de Conrado Segreto.

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Amante da beleza, Conrado tinha um coração como símbolo e era ele próprio um dândi. Pessoalmente, tinha fama de genioso e dono de uma língua incontrolável. Profissionalmente, surpreendia ao misturar uma moda baseada em sonhos com elementos modernos, como um vestido transparente com penas de avestruz. 

Conrado assinou figurinos para teatros e vestiu a Barbie, a convite da empresa de brinquedos Estrela. O seu quarto e último desfile é lembrado pelos amigos como uma apresentação apoteótica nos jardins da Casa Manchete. Conrado morreu em decorrência de complicações causadas pelo HIV, em dezembro de 1992.

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