Andrea Encalada: Precisamos de uma moratória sobre as hidrelétricas

A bacia amazônica é a maior reserva de água doce do planeta, responsável por 20% do fluxo para os oceanos. Os incontáveis rios que fluem em direção ao Atlântico carregam consigo resíduos das regiões por onde passam, mantendo o equilíbrio fino do ecossistema. Mas esse equilíbrio está cada vez mais sob pressão. Os rios fazem parte da conectividade amazônica, tema da última conferência magna da Reunião Magna ABC 2025, proferida pela ecóloga equatoriana Andrea Encalada, membra do comitê de ciência do Painel Científico para a Amazônia (Science Panel for the Amazon. SPA), iniciativa das Nações Unidas que visa oferecer aos tomadores de decisão uma síntese do conhecimento produzido sobre a região.

A floresta amazônica se forma com o soerguimento dos Andes, se tornando o bioma que conhecemos hoje com o aumento no fluxo de água sedimentosa vinda da cordilheira, há cerca de 7 milhões de anos. A bacia agrega águas vindas dos Andes e dos platôs das guianas e do Brasil e é essa diferença na origem que explica o espetáculo do encontro das águas do Rio Negro e Solimões. “Por serem os Andes tão jovens, os sedimentos ainda não estão tão bem fixados, e as águas os carregam montanha abaixo. Por isso a cor amarronzada das águas do Solimões”, explicou a palestrante.

Esse é um exemplo do que Encalada chama de conectividade longitudinal dos rios amazônicos, ligando a Amazônia andina com a Amazônia brasileira. Outro fenômeno que observamos conforme descemos as montanhas é o aumento na biodiversidade. Segundo a pesquisadora, isso é explicado pela temperatura. Nas zonas mais baixas, as mudanças na temperatura, diárias ou sazonais, são menores, portanto as espécies não precisam se aclimatar. Essa menor tolerância leva a uma dispersão menor e cria mais nichos ecológicos que são oportunidades de especiação. “Outra consequência desse fenômeno é que as espécies das regiões mais baixas estão mais vulneráveis ao aquecimento do planeta”, alertou.

Andrea Encalada (Foto: Marcos André Pinto)

Mas nem todas as espécies aquáticas seguem essa lógica. O Dourado, peixe símbolo da biodiversidade – e da culinária – amazônica, é um exemplo. Esses peixes estão entre os maiores migrantes do mundo, se movendo ao longo de 12 mil quilômetros rio à cima e abaixo. Com uma dispersão tão grande, é natural que a proliferação de barragens na Amazônia tenha se tornado uma ameaça grave para a sobrevivência desses animais. “Precisamos de marcos de conservação baseados nos sistemas aquáticos, com a criação de reservas fluviais e restauração de corredores aquáticos interrompidos. Precisamos de uma moratória sobre a construção de hidrelétricas com, inclusive, a remoção de barragens ineficientes”, sugeriu Encalada.

Outro tipo de conectividade amazônica se dá lateralmente, entre os rios e a floresta ao seu entorno, principalmente nas zonas alagadas das planícies, os igapós. Há uma troca importante de biomassa entre a água e a terra que é crítica para manter a floresta. Mas essa dinâmica está ameaçada, sobretudo pelo garimpo e pela contaminação das águas nas cidades, sobretudo as metrópoles. “Só uma cidade da Amazônia, Manaus, tem tratamento de águas residuais. Mas mesmo por lá, só é tratado 20% do fluxo que volta para o rio. (…) A água contaminada segue sendo a maior causa de mortalidade infantil na região”.

Já a conectividade vertical explica a dinâmica das chuvas. Sabe-se que 50% da chuva que cai na Amazônia é produzida pela própria floresta, através da evaporação. O padrão de precipitação já está se alterando na região, com secas extremas se tornando cada vez mais frequentes. “Não é possível falar em conservação da água doce do planeta sem a conservação da floresta”, resumiu a palestrante.

Assista à conferência a partir de 5m40s do vídeo abaixo:

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