O Futuro da Amazônia

A terceira sessão plenária da Reunião Magna ABC 2025 se propôs a pensar futuros alternativos possíveis para a Amazônia. A sessão foi coordenada pela ecóloga e Acadêmica Ima Célia Guimarães Vieira, que antes de começar recitou a canção “Saga da Amazônia”, do compositor Vital Farias, emocionando a todos com os versos diretos e potentes do autor, que conta a história da “mais bonita floresta” que é devorada pelos muitos “dragões” do extrativismo insustentável que marcam o que chamamos de desenvolvimento da região.

As guardiãs da floresta

Braulina Baniwa

A primeira palestrante convidada foi a antropóloga Braulina Baniwa, especialista em questões de gênero, sobretudo no que tange as mulheres indígenas. Ela criticou a forma nichada como os povos indígenas são tratados na academia, a partir de um olhar externo que se recusa a chamar seus saberes de “ciência”, tratando-os por termos como “epistemologias” ou “cosmovisões”. Da mesma forma, línguas indígenas são constantemente tratadas como “dialetos”. “Essas são violências contra nossa cultura”, refletiu.

A violência é a forma mais proeminente de como a nossa sociedade se relaciona com as sociedades tradicionais da Amazônia, mas ela atinge seus membros de forma desigual. Quando grupos criminosos do garimpo ou da madeira invadem uma terra indígena, é sobre as mulheres que recai o pior das violações, mas seu sofrimento é constantemente invisibilizado. Essa é uma contradição particularmente cruel quando falamos de conservação.

“As mulheres são as guardiãs da floresta, detentoras de uma ciência milenar de manejo, restauração e cuidado com a floresta. Precisamos cuidar de quem cuida da Amazônia, humanizar essa relação”, afirmou Baniwa, que elogiou o papel que os fundos comunitários de povos indígenas cumprem no financiamento de atividades bioeconômicas tocadas por mulheres.

A ecologia política da Amazônia

Susanna Hecht

Um exemplo de ciência milenar indígena são as terras pretas encontradas ao redor de assentamentos antigos na Amazônia. Apenas muito recentemente que a ciência passou a entender que essa não era uma formação natural, mas uma avançada técnica de adubação desenvolvida pelos indígenas e passada através de gerações. Para a geógrafa Susanna Hecht, segunda palestrante da mesa, “a terra preta, para o contexto amazônico, é igual à irrigação para zonas secas ou a plantação em terraços para as zonas montanhosas. É uma invenção importantíssima para liberar áreas para capacidade de produção”.

Hecht é professora da Universidade da Califórnia (UCLA) e uma das criadoras da abordagem analítica da “ecologia política”, que busca entender como as relações políticas, sociais e econômicas moldam o meio ambiente ao redor. Ela descreveu a Amazônia como um lugar historicamente difícil de estabelecer governança e por isso mesmo vulnerável à experimentação de novas realidades e atividades econômicas. A floresta é também um regulador global do clima, assim como os oceanos, os glaciais do norte ou a Antártica, mas, ao contrário destes, é habitada por quase 40 milhões de pessoas que precisam ser consideradas.

A palestrante também reconheceu a Constituição Federal como um “passo incrível na formação de um Estado preocupado com a questão ambiental e com a participação indígena”. Mas, para realizar o que chamou de “utopia” prevista na carta magna, é preciso sistemas robustos de fiscalização, a cujo fortalecimento ou enfraquecimento podemos traçar dinâmicas de queda ou aumento na destruição. “O desmatamento é um bom indicador de se um Estado está funcionando”, afirmou.

Nesse sentido, a perspectiva futura para a região é agravada quando consideramos que boa parte dos países amazônicos ou são Estados falidos ou falhos, com a emergência de potenciais Petroestados com o boom do petróleo nas guianas. A situação geopolítica também joga contra, a guerra na Ucrânia aumentou a demanda para o agro brasileiro, estimulando a expansão por sobre a floresta. Da mesma forma, o enfraquecimento do dólar com a disputa tarifária leva a uma corrida pelo ouro, aumentando a demanda do garimpo.

Rotas de sacrifício

Bruno Malheiro

A crítica do atual modelo econômico da região foi o ponto central do também geógrafo Bruno Cezar Malheiro, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), autor dos livros “Horizontes Amazônicos: para repensar o Brasil e o mundo” e “Geografias do Bolsonarismo: entre a expansão das commodities, do negacionismo e da fé evangélica no Brasil” e roteirista do documentário “Pisar Suavemente na Terra”, que acompanha a história de três lideranças indígenas.

O palestrante foi enfático no combate ao que chamou de “consenso das commodities” na América Latina, que une desde a extrema direita até a esquerda clássica numa visão de re-primarização da economia. Ele associou a fronteira agrícola não apenas à expansão do desmatamento mas de toda uma cultura política da violência. “Moro perto de uma fazenda onde clonagem animal e trabalho escravo convivem normalmente. Não vai ser o avanço tecnológico que vai nos salvar”, refletiu.

Essas atividades não expandiriam se não houvesse investimento público no escoamento da produção. “A maioria das exportações ainda se dá pelos portos do sul, mas existe hoje um projeto para facilitar essa exportação pelos portos do norte. Há um conjunto de infraestruturas, ferrovias e estradas, que o Estado chama de eixos de integração mas que eu chamo de engenharias do colapso, rotas de sacrifício na Amazônia. Precisamos olhar pelas lentes dos que serão atropelados”, expôs.

Malheiro sugere que o Brasil precisa parar de incentivar monoculturas voltadas à exportação e passar a financiar circuitos curtos de comercialização de alimentos. Em particular, faz uma crítica enfática da soja e do latifúndio. “A soja empurra o gado, que empurra a madeira, que empurra o garimpo. É preciso pensar integralmente essas atividades. (…) Não se enfrenta a questão climática sem enfrentar a concentração de terras”, finaliza.

Assista à sessão plenária a partir de 1h32m do vídeo abaixo:

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