SP tem mobilização pela preservação de paralelepípedos

Um embate está sendo travado em bairros da cidade de São Paulo, como Brooklin, Pinheiros e Vila Zelina. Grupos de moradores de ruas de paralelepípedo rejeitam iniciativa da prefeitura de asfaltar as vias em questão. Eles resistem à pavimentação por razões que vão além de nostalgia e justificam que paralelepípedos têm as vantagens de ser mais eficientes na drenagem das águas das chuvas do que o asfalto, contribuir para a filtragem de mananciais e ajudar a reduzir a temperatura ambiente. A mobilização pela preservação de ruas com paralelepípedos ganhou corpo na capital e gerou até um movimento, o Paralelepípedo Livre, composto por representantes de regiões da cidade.

O grupo foi formado no começo de 2024 por representantes de 50 ruas de paralelepípedos de Vila Madalena, Sumaré, Mooca, Vila Cordeiro e outros bairros. Os participantes alinham suas ações por meio de grupo no WhatsApp quando a prefeitura tenta recapear ruas de suas regiões. A mobilização pela preservação de ruas com paralelepípedos recebeu apoio político, o que resultou no Projeto de Lei n. 0486/2024, de autoria dos vereadores Eliseu Gabriel (PSB) e Renata Falzoni (PSB), com objetivo de vedar o asfaltamento de vias pavimentadas com paralelepípedos, blocos ou outros materiais semelhantes. O PL justifica que o asfalto pode prejudicar a permeabilidade do solo e a preservação do caráter histórico de algumas áreas, além de aumentar os riscos de acidentes em dias de chuva. O projeto ainda não foi votado. 

Uma das mobilizações ocorreu em abril de 2024, em Pinheiros, bairro da zona oeste. Moradores da rua Sílvio Sacramento souberam que a via de paralelepípedos seria asfaltada e que, portanto, teriam que retirar os carros da rua. Como protesto, eles não tiraram os veículos e penduraram neles placas com a mensagem “moradores contra a pavimentação!”. A mobilização surtiu efeito e as equipes da prefeitura não seguiram com o asfaltamento dessa rua e de outra, a Artur Alvim, na quadra abaixo. 

Foto: Freepik

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Argumentos contra mobilização pela preservação de ruas com paralelepípedos

Matéria da Folha de S.Paulo destaca que o serviço de pavimentação é realizado mediante pedido dos moradores à prefeitura e que ela asfaltou 969 vias de paralelepípedo, em 2023 e 2024. O município alega que a pavimentação com asfalto melhora a segurança viária e a mobilidade urbana e os paralelepípedos são escorregadios, dificultam a frenagem e aumentam o risco de acidentes, especialmente em dias de chuva. Também argumenta que o asfalto garante melhor escoamento das águas pluviais e reduz a necessidade de manutenções. 

Ao jornal O Globo, a prefeitura disse que uma das preocupações que justificam a substituição dos paralelepípedos é a acessibilidade, já que cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida têm mais dificuldades para atravessar vias com piso irregular. Que, nas vias pavimentadas em paralelepípedos, são comuns os afundamentos e os desníveis em função da falta de compactação – e o recapeamento asfáltico possibilita melhor aderência e conforto. Além disso, respingos de óleo e a chuva tornam os paralelepípedos irregulares e escorregadios, tornando-se um fator de risco ao trânsito de veículos. 

Foto: zoff/ Shutterstock

A manutenção de ruas e avenidas foi uma das bandeiras eleitorais do prefeito Ricardo Nunes durante sua campanha à reeleição, em 2024. A prefeitura gastou R$ 3,6 bilhões com pavimentação entre 2022 (ano em que teve início o maior programa de recapeamento já executado na cidade) e 2024. 

Paralelepípedos: qualidades subestimadas 

“Paralelepípedos têm qualidades urbanas muitas vezes subestimadas. Sua maior vantagem está na capacidade de drenagem natural: o solo respira, a água infiltra entre as peças, contribuindo para a recarga dos lençóis freáticos e evitando a sobrecarga do sistema de drenagem pluvial”, explica o arquiteto Paulo Tripoloni, que atua há 20 anos no desenvolvimento de projetos de diversas escalas para a construção de residências, escolas e espaços comerciais e urbanísticos.  

Paulo Tripoloni (Foto: Adriano Escanhuela)

Ele também destaca que os paralelepípedos reduzem a velocidade dos carros, o que favorece a segurança viária em áreas residenciais. “E oferecem uma textura sonora que desincentiva o excesso de velocidade — algo que o asfalto, por ser liso e silencioso, não consegue proporcionar. E isso se agrava com os carros elétricos, que são extremamente silenciosos e passam praticamente despercebidos, o que aumenta os riscos para pedestres, especialmente em bairros de perfil residencial”.

Outro ponto positivo, segundo Tripoloni, é que, do ponto de vista da manutenção, os paralelepípedos têm uma vida útil muito maior. “Em caso de necessidade de intervenção (infraestrutura subterrânea, por exemplo), é possível removê-los e reinstalá-los com impacto mínimo”. 

Em contrapartida, diz o arquiteto, o asfalto demanda menos esforço inicial na instalação, e é mais confortável para tráfego intenso, especialmente de veículos pesados ou transporte público. “Mas seu ciclo de vida é mais curto, exige recapeamento periódico e tem impacto ambiental significativo: é impermeável, contribui para as ilhas de calor e para os alagamentos urbanos”, frisa ele.

Papel do desenho urbano 

Acerca da mobilização pela preservação de ruas com paralelepípedos em SP, Tripoloni considera esse posicionamento como maduro, consciente e alinhado às urgências ambientais e urbanas do tempo atual. “Não se trata apenas de nostalgia ou de um saudosismo estético, mas de reconhecer o papel que o desenho urbano tem na sustentabilidade das cidades. Quando moradores se mobilizam pela permanência dos paralelepípedos, eles estão, em essência, reivindicando uma cidade mais permeável, segura e conectada ao seu território”. 

O arquiteto cita um caso de sucesso na Vila Mariana, na Chácara das Jabuticabeiras, onde os paralelepípedos, além de terem sido mantidos, foram recompostos após as obras de um lançamento imobiliário que havia danificado o pavimento original. “Foi uma conquista coletiva, que mostra que é possível conciliar preservação urbana, responsabilidade empresarial e respeito ao bairro”. 

Ele acrescenta que, em bairros residenciais, onde o fluxo de veículos é naturalmente menor, não há justificativa técnica suficiente para eliminar uma solução que já funciona há décadas e que oferece vantagens ambientais. “Substituir paralelepípedos por asfalto nesses contextos pode ser um retrocesso”.

Por fim, Tripoloni ressalta que é essencial que o poder público compreenda que nem todas as ruas precisam ser tratadas da mesma forma. “A cidade é diversa — e o tecido urbano pode (e deve) refletir isso. Preservar trechos de paralelepípedo é, também, valorizar a identidade dos bairros e promover soluções mais compatíveis com o clima e as águas urbanas de São Paulo”. 

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