Rita Lee

O aniversário de dois anos de ausência de Rita Lee (1947-2023) motiva o lançamento de dois novos documentários sobre a roqueira paulistana: Mania de você, de Guido Goldberg, em cartaz na HBO Max desde a quinta-feira, 8 de maio, e Ritas, de Oswaldo Santana, que foi exibido no festival É Tudo Verdade em abril e estreia nos cinemas no próximo dia 22.

Se Ritas adota um tom mais leve e celebratório ( https://elle.com.br/cultura/documentario-sobre-rita-lee?srsltid=AfmBOoqr0D4NSPCphDajvHi1TLEnSqgW0big78pRTMNrUP87h8lktM9p ), Mania de Você é grave já nas primeiras cenas, quando um letreiro avisa que “este documentário começou a ser filmado quatro semanas antes da partida de Rita”. Daqui em diante, o filme em cartaz no streaming dá ênfase às relações familiares construídas pela cantora e compositora e à dor do marido e parceiro músico Roberto de Carvalho e dos três filhos do casal, Beto, João e Antônio diante da morte da estrela.

No clímax de Mania de Você, os três filhos, reunidos, leem em voz alta uma carta recém-escrita pela mãe, ainda viva. Em cenas separadas, Roberto lê as mesmas palavras, às lágrimas. Dessa última fase, fica apenas uma imagem em movimento em que Rita, grisalha, passeia pelo gramado de sua casa.

A carga emocional se reforça pela exibição dos últimos áudios gravados pela artista, que se despede afirmando: “Morte não é castigo. A morte é voltar pra casa”. De resto, a tristeza se dissipa na maior parte do filme, enriquecido por depoimentos inéditos da irmã Virgínia Lee, do ex-jogador de futebol Casagrande, de colegas como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e Ronnie Von e de três companheiros de Rita na banda setentista Tutti-Frutti, Lúcia Turnbull, Luís Carlini e Lee Marcucci. Os ex-parceiros dos Mutantes, a banda em que ela despontou na virada dos anos 1960 para os 1970, não aparecem nem são citados, e a fase tropicalista da artista só é lembrada por trechos da “Balada do louco” (1972).

 

O título do documentário evoca a fase pop ao lado de Roberto Carlos e o sucesso de “Mania de você” (1979), mas o enredo começa já em meados da década de 1960, pelo Tutti-Frutti e pelo rock-balada “Ovelha negra” (1975). O pioneirismo da primeira mulher compositora de rock no Brasil é citado em vários momentos, inclusive por Gil, que classifica como feminista a militância da colega de Tropicália e do show e disco em dupla Refestança (1977). O filme focaliza as reações da ditadura militar contra arte ireverente de Rita Lee, com episódios de censura de músicas como “Gente fina é outra coisa” (1973), “Lança perfume” (1980), “Tititi” (1981, que se chamaria “Galinhagem”), e “Barriga da mamãe” (1982).

Uma explicação pouco difundida elucida a prisão de Rita em 1976, supostamente por porte da maconha: a própria cantora conta que foi uma represália da ditadura, porque ela havia denunciado o assassinato de um jovem por policiais na plateia de seu show. O documentário deixa evidente que o encontro de Refestança, em 1977, simbolizou um fortalecimento mútuo entre Rita e Gil, que também havia sido preso e condenado por porte de maconha, no ano anterior.

De modo geral, Mania de você, revisa a trajetória da artista cronologicamente, disco por disco, exceto por algumas lacunas (Rita e Roberto, de 1985, por exemplo, além dos seis álbuns gravados com os Mutantes entre 1968 e 1972. Roberto de Carvalho declara como sua música predileta a balada “Coisas da vida” (1976), ainda da fase Tutti-Frutti – antes, portanto, de o casal se conhecer, quando Roberto integrava a banda de Ney Matogrosso e Rita presenteou o cantor com o hit “Bandido corazón” (1976). Ney relembra sua atuação como cupido do casal e fala da afinidade entre ele, ex-vocalista recém-saído dos Secos & Molhados, e a ex-cantora dos Mutantes.

Rita em pessoa aparece em cenas de palco, em entrevistas de várias épocas e numa profusão de registros caseiros em vídeo. Episódios de depressão, overdose de drogas, alcoolismo, abuso de calmantes, internações, separação e um grave acidente doméstico no início dos anos 1990 são enfrentados frontalmente, mas aparecem nas falas de Roberto de Carvalho e dos filhos, no setor mais doloroso de Mania de Você. A melancolia invade, por fim, o momento em que Rita decide comunicar sua aposentadoria da música. Ela o faz em 2012, do alto do palco, de cabeça baixa e disfarçando as lágrimas. Se o pop e o rock são vendidos ao público como sinônimos obrigatórios de alegria, Mania de você é transparente não só pelo lado luminoso da história, mas também ao mostrar que os altos e baixos foram constantes na vida espetacular de Rita Lee.

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