Árvores sufocadas: que fatalidade é essa?

Durante o temporal, árvores foram arrancadas como arbustosPaulo Rosenbaum/ Arquivo pessoal

No temporal de ontem árvores foram arrancadas como arbustos. A cidade ficou inviável e quase colapsou. Mas, por quê? A ideia é chamar a atenção para as condições necessárias e suficientes para que uma catástrofe anunciadíssima como a que ocorre todo ano, quase na mesma época do ano, prossiga em sua marcha tanto impune como recorrente. Uma árvore enorme, centenária, foi arrancada de seu nicho com raiz e tudo num bairro próximo. Fui registrar pessoalmente. Filmei e fotografei. Ora, para meu espanto, não havia uma raiz que a fixava profundamente ao solo. Era apenas uma raiz de superfície. Ou seja, foi arrancada exatamente porque a sua raiz foi podada pelo concreto logo abaixo dela. Uma árvore sufocada. Mais do que evidente é que uma parcela de culpa significativa recai nos legisladores e nos planejadores que desprezam a vida, subestimam as condições do solo, o impermeabilizam, e, sem a menor preocupação com as soluções técnicas e prospectivas, insistem em concretar o solo. E como edificam irracionalmente! Autorizando construções que ocupam quase 100% do terreno, quando está claro que isso é ilegal. E o fazem incessantemente, sem respeitar as leis de proteção ambientais que eles mesmos, supostamente, formularam. É mais fácil, e politicamente, bem mais lucrativo imputar a culpa às intempéries, às “catástrofes naturais” e, por fim, à própria natureza, que não tem nem advogados, nem juristas famosos para defendê-la. E o pior é que cola. Veredito pronto: a culpa é do cosmos perverso, ou do descontrole pelas emissões de carbono. Mas, e se muitas destas mazelas não estiverem em nenhum destes dois réus contumazes? E se for devido à inépcia dos que deveriam pensar as cidades? Num país anômico como o nosso atual, onde até a presunção de inocência já não é mais cláusula pétrea, atribuir culpa  às “forças ocultas e incontroláveis da mãe natureza” vem bem a calhar. Fica fácil e o poder vem dando de goleada na opinião pública afônica. A mídia costumava ser a consciência crítica do poder, uma espécie de superego incomodo que buzinava no ouvido dos mandatários contra seus abusos e malfeitorias. Não mais. Nossa tolerância com a má gestão dos governantes, em todos os âmbitos, e pelos quais temos sido torturados continuamente, é desafortunadamente, inexistente, ridícula. Só não é tão infinita quanto a nossa obtusa incapacidade de removê-los do poder. Neste momento existem aproximadamente 174 mil lares sem luz em São Paulo, muitos há mais de 34 horas sem uma gota de energia. Energia rigorosamente cobrada pelas empresas que deveriam prestar o serviço. Se vocês querem mesmo processar alguém e desejam ter chances de ganhar a causa sem levar um centavo, procurem apontar para o único criminoso disponível: aquele que atende sob as alcunhas de ecossistema, fenômeno natural e catástrofes inevitáveis.  Façam todas as litigâncias necessárias contra este abusador cósmico sem residência fiscal e RG. Deixem em paz os políticos e os que recolhem as taxas de luz com suas bandeiras.  Afinal eles precisam de paz para poder elaborar álibis, relatório e planos autocongratulatórios para o descaso de como eles cuidam das cidades, já que para estas almas puras tudo não passa de fatalidade.       E boa noite, sem ventilador, por supuesto.

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