Estamos alterando o oceano diante de nossos olhos

Uma imagem de parte do globo terrestre, com as Américas no centro, divulgada pela NASA Climate Change (página da agência especial americana dedicada às mudanças climáticas) impressionou o mundo. Com cores que vão do azul ao verde, passando por tons de vermelho, laranja e amarelo, a figura chama atenção para o fato de que as águas marítimas estão em transformação. A imagem mostra correntes superficiais do mar com base no programa Estimating the Circulation and Clima of the Ocean, que traça estimativas da circulação oceânica e seu papel sobre o clima, reforçando o aumento da temperatura dos oceanos causado pelo aquecimento global.

Na legenda da publicação, a NASA alerta: “Com 70% do planeta coberto por água, os mares são importantes impulsionadores do clima global da Terra. No entanto, o aumento dos gases de efeito estufa (GEE) provenientes das atividades humanas está alterando o oceano diante dos nossos olhos. A NASA e os seus parceiros têm a missão de descobrir mais”. 

Relatório da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) divulgado em junho de 2024 sobre as mudanças nos oceanos do planeta informa que 2023 foi o ano mais quente já registrado para as temperaturas oceânicas. Os termômetros registraram aumento médio de 1,45°C acima dos níveis pré-industriais, dentro das metas do Acordo de Paris (de manter o aquecimento global abaixo de 2°C), mas, em regiões como o Mediterrâneo, o Oceano Atlântico Tropical e os Oceanos Austrais, o aumento já ultrapassa os 2°C. Além disso, a taxa de aquecimento dos mares duplicou nos últimos 20 anos. 

Segundo o estudo “As tendências de aquecimento dominam cada vez mais os oceanos globais”, publicado na revista Nature em 2020, o oceano absorve cerca de 93% do calor do aquecimento global que entra no sistema climático da Terra. Essa expansão térmica contribui substancialmente para o aumento do nível do mar. O “Sexto Relatório de Avaliação do IPCC” explica que o aumento da temperatura dos oceanos responde por 40% da elevação do nível do mar no mundo, pois a água dos mares sofre um processo de expansão à medida que fica mais quente. Os outros 60% são causados pelo derretimento de geleiras.

Papel dos mares 

aumento da temperatura dos oceanos
Foto: Sergio V S Rangel/ Shutterstock

O documento “Aquecimento do oceano”, da ONG sueca International Union for Conservation of Nature (IUCN), dedicada à conservação da natureza, destaca que os mares absorvem a maior parte do excesso de calor resultante das emissões de GEE, decorrentes, principalmente, do consumo de combustíveis fósseis. O fenômeno prejudica espécies e ecossistemas locais, levando ao branqueamento de corais e perda de criadouros de peixes, aves e mamíferos marinhos. Isso porque, o aumento da temperatura dos oceanos causa desoxigenação (redução na quantidade de oxigênio dissolvido no oceano) e acidificação das águas (diminuição do pH devido à absorção de CO2).

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Esse aumento da vulnerabilidade de espécies de animais impacta também as pessoas, uma vez que pesca e aquicultura são fontes de renda para populações do mundo todo. Ao alterar a distribuição dos recursos naturais, o aquecimento das águas compromete a segurança alimentar e a subsistência das pessoas, com grandes perdas econômicas. 

O aumento das temperaturas dos oceanos também afeta a vegetação e as espécies construtoras de recifes, como os corais e os mangues, que protegem as zonas costeiras das cidades de erosão e de subida do nível do mar. Além disso, águas mais quentes causam eventos climáticos extremos como furacões severos, intensificação do El Niño, secas e inundações, o que tem efeitos socioeconômicos e de saúde significativos em todo o mundo.

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Como conter o aumento da temperatura dos oceanos?

Segundo o documento da IUCN, para conter o aumento da temperatura dos oceanos é urgente reduzir as emissões de GEE e cumprir o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, que limita o aumento da média global de temperatura a 1,5°C acima da era pré-industrial, o que ajudaria a prevenir impactos irreversíveis do aumento da temperatura oceânica sobre os ecossistemas terrestre e marinho. 

Outro passo é proteger os ecossistemas marinhos e costeiros: áreas resguardadas e bem geridas podem ajudar a conservar e proteger as espécies, além de prevenir a degradação ambiental. É necessário, ainda, restaurar esses ecossistemas, ou seja, elementos de ecossistemas que já sofreram danos podem ser restaurados por meio da construção de estruturas artificiais, como piscinas naturais, que atuam como habitats substitutos para organismos, o que aumenta a resiliência de espécies às temperaturas mais quentes por meio de técnicas de reprodução assistida. 

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Outra medida é a implementação de políticas públicas para manter as pescas dentro de práticas sustentáveis –  por exemplo, estabelecer limites de captura e eliminar subsídios para evitar a sobrepesca (quando uma espécie é pescada além da sua capacidade natural de reprodução). Já ferramentas de monitoramento podem ser desenvolvidas para prever e controlar surtos de doenças marinhas. Ao mesmo tempo, o fortalecimento de pesquisa científica é imprescindível, um caminho em que consiste no aumento de investimento público em ciência e estudos para medir e monitorar o aquecimento das águas e seus efeitos, o que pode fornecer dados precisos sobre escala, natureza e impactos do aumento da temperatura dos oceanos, possibilitando a projetação e a implementação de soluções adequadas e estratégias apropriadas de mitigação e adaptação.

Educação, elemento transversal 

A essas medidas acima elencadas se soma a educação. É o que pontua Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano. “É a educação que vai permear todas as medidas, é um elemento transversal que precisa fortalecer essa abordagem, a partir do entendimento sobre o que são as mudanças do clima, como o sistema terrestre funciona, razões e consequências das mudanças, bem como as estratégias para as pessoas enfrentá-las. Existe um encadeamento e uma inércia em algumas dessas questões”. 

Alexander Turra (Foto: Arquivo pessoal)

Turra acrescenta que estratégias orçamentárias de governos impedem, por exemplo, que se faça ciência para identificar e financiar medidas de adaptação – caso do Brasil. “Os recursos ainda são escassos e isso leva um tempo para ser aplicado na prática. Emergencialmente, a gente tem que tomar decisões para reduzir as emissões porque os efeitos disso, as consequências, a melhoria que a gente gostaria de ver, vai acontecer no médio para o longo prazo. Então isso é urgente, urgentíssimo. Em paralelo a isso, trabalhar em cima de medidas de adaptação”.

De onde vem o dinheiro 

O professor explica que medidas já podem ser implementadas como as que determinam o uso e a ocupação da zona costeira, protegendo áreas sensíveis. “Mas também tem muito a se avançar, especialmente em tecnologias e soluções transformativas, que a gente precisa colocar em prática. Daí a necessidade de a ciência ser financiada, com instituições de fomento à pesquisa e recursos direcionados. E tudo isso passa por uma questão que eu acho que é importante mencionar: de onde vem esse recurso? Obviamente vem do orçamento de um país, mas pode vir também de outros arranjos financeiros, como a negociação do mercado de crédito de carbono ou projetos que visam fortalecer o desenvolvimento de certos locais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano para o Desenvolvimento. É essencial entender que precisamos ter esse orçamento nacional para fazer essa transformação. Estamos pagando tantos juros para dívidas, rediscutindo os juros, mas isso não necessariamente traz benefícios no longo prazo, uma vez que aumenta a dívida pública e diminui a nossa capacidade de investir em ações como essas”. 

Turra sintetiza que para frear o aumento da temperatura dos oceanos o caminho consiste em educação e estruturação de uma lógica econômica em cada país, permitindo que as populações se beneficiem da tecnologia, da inovação, da indústria e do fortalecimento da economia “para a gente retroalimentar, ter recursos, ter poupança e investir nas medidas que precisam ser investidas”. 

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