Artigo sobre produção de renováveis através de CO2 é publicado na Science

Imagine transformar poluição em combustível. Essa é a promessa da hidrogenação do dióxido de carbono (CO₂), um processo que transforma o CO₂ – um dos principais gases de efeito estufa – em produtos químicos e combustíveis renováveis. Um dos produtos mais importantes é o metanol, um composto versátil utilizado em tudo, desde plásticos até combustíveis. Também é possível produzir outros compostos valiosos, como o metano, que pode ser injetado diretamente em gasodutos de gás natural, além de hidrocarbonetos de cadeias maiores, que podem ser usados como gasolina ou combustível de aviação. Assim, temos a tentadora possibilidade de criar os chamados e-combustíveis – alternativas sustentáveis aos combustíveis fósseis tradicionais. Mas como?

Liane Rossi, titular da ABC

Um consórcio internacional do qual participou a Acadêmica Liane Rossi, diretora do Programa Captura e Utilização de Carbono (CCU) do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) da USP, apresenta um panorama sobre o assunto na mais recente edição da Science. “Precisamos repensar nossa relação com o dióxido de carbono”, diz Robert Wojcieszak, pesquisador sênior da Universidade de Lorena, na França. “Em vez de vê-lo como um resíduo, podemos capturar o CO₂ de fontes industriais ou até mesmo diretamente do ar e usá-lo como um valioso bloco de construção de carbono.”

Nils Thonemann, professor assistente de Avaliação de Sustentabilidade Ambiental Quantitativa da Universidade de Leiden, complementa: “E quando combinamos o CO₂ com hidrogênio produzido a partir de energias renováveis, como eólica ou solar, o processo se torna ambientalmente mais favorável.” A mágica acontece na superfície do catalisador. A superfície das partículas catalíticas capturam as moléculas de CO₂ e hidrogênio, enfraquecendo as ligações fortes que as mantêm unidas. Isso permite que os átomos se reorganizem e formem novas ligações, criando os produtos desejados. Os cientistas estão constantemente trabalhando para desenvolver catalisadores melhores – mais ativos, seletivos e estáveis.

Metanol como solução verde para aviação e transporte marítimo

A produção de metanol avançou significativamente na década de 1920, quando cientistas descobriram como usar um ingrediente especial chamado catalisador de cromita de zinco. Foi como encontrar a receita certa para um bolo – o processo se tornou muito mais fácil. Depois, na década de 1940, uma versão ainda melhor foi inventada: o catalisador CuZnAl (CZA). Pense no CZA como uma versão superpotente do catalisador de cromita de zinco. Ele se tornou o padrão da indústria devido à sua eficiência. No entanto, “ao usar o CZA, o processo catalítico tem uma peculiaridade: ele prefere uma reação diferente (chamada Reação Reversa de Deslocamento Gás-Água ou Reverse Water Gas Shift, RWGS) em vez de converter diretamente o CO₂ em metanol. Isso significa que ele não usa o CO₂ de maneira tão eficiente quanto gostaríamos”, explica Andrew Beale, professor do University College de Londres.

Outro problema do CZA é a agregação. Com o tempo, as partículas catalíticas se agrupam, reduzindo sua área de superfície e tornando-se menos eficazes. De maneira curiosa, Nikolaos Dimitratos, professor da Universidade de Bolonha, acrescenta: “Os catalisadores que inicialmente são mais ativos (e geralmente contêm mais cobre) também são os que se agregam mais rapidamente.” Assim, embora o CZA seja um ótimo catalisador, seu desempenho diminui ao longo do tempo. Os cientistas ainda estão buscando catalisadores melhores que possam usar o CO₂ de forma mais eficiente e que durem mais. A hidrogenação do CO₂ pode fornecer e-combustíveis limpos para setores difíceis de eletrificar diretamente, como a aviação e o transporte marítimo. No final das contas, o maior benefício dessas novas tecnologias de hidrogenação do CO₂ é claro: elas nos libertam da dependência do petróleo como fonte de carbono.

Novos catalisadores, novas promessas

Os cientistas estão explorando novas formulações para catalisadores, e os catalisadores à base de óxido de índio estão mostrando grande potencial. Pesquisas recentes (2020-2024) indicam que mais de 85% desses novos catalisadores podem converter CO₂ em metanol com mais de 50% de eficiência. “A boa notícia é que a produção de metanol está melhorando cada vez mais”, afirma Jingyun Je, professor da Universidade Duquesne, dos EUA. O atual “astro” dos catalisadores é composto por cobre, óxido de zinco, óxido de manganês e um suporte especial chamado KIT-6. Esse catalisador pode operar a uma temperatura relativamente baixa (180°C) e transformar o CO₂ em metanol com alta eficiência.

No entanto, como explica a Acadêmica Liane Rossi, professora da Universidade de São Paulo: “O objetivo final vai além de apenas produzir metanol – trata-se de construir um futuro sustentável alimentado por muitos produtos derivados do CO₂. A chave está no desenvolvimento de catalisadores inovadores. Avançando na hidrogenação do CO₂, podemos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, especialmente quando usamos energia renovável para impulsionar o processo.” Isso não significa que seja uma solução mágica. Existem desafios e compensações a considerar. A origem do CO₂ (seja de uma fábrica ou capturado diretamente do ar), a tecnologia utilizada para convertê-lo e a aplicação final do produto (como combustível) podem impactar significativamente a pegada ambiental geral.

Perspectivas para o Futuro

Os catalisadores de metanol mais eficientes atualmente, como o CZA, têm suas limitações: não duram muito e dependem de materiais escassos. Pesquisas futuras precisam focar na criação de novos catalisadores que convertam CO₂ diretamente em metanol, evitando a reação concorrente de RWGS. Também é necessário evitar que as partículas catalíticas se aglomerem, o que pode ser feito com suportes diferentes ou com a adição de elementos estabilizadores.

Compreender a relação entre a atividade de um catalisador, seu teor de cobre e sua degradação ao longo do tempo é essencial para encontrar o equilíbrio entre alto desempenho inicial e estabilidade a longo prazo. Alternativas, como catalisadores de paládio-índio, estão sendo estudadas, mas o custo ainda é um grande obstáculo. Apesar desses desafios, os avanços nos catalisadores e nas técnicas de análise de materiais estão abrindo caminho para um futuro energético mais limpo, impulsionado pela hidrogenação do CO₂. Embora essa tecnologia seja mais atraente como uma forma de reutilizar CO₂ do que como uma solução direta para as mudanças climáticas (já que emissões líquidas negativas são difíceis de alcançar, mesmo com captura direta do ar), ela oferece um caminho promissor para descarbonizar setores difíceis de eletrificar, como aviação e transporte marítimo.

Os cientistas também olham ainda mais adiante! Projetar novos catalisadores de hidrogenação do CO₂ do zero é um desafio porque as reações são complexas e há um descompasso entre os modelos teóricos e o desempenho real. “Ainda temos dificuldade em entender as reações em nível molecular, e os mecanismos de desativação dos catalisadores (como sinterização, envenenamento e formação de coque) não são bem compreendidos”, conclui Robert Wojcieszak. Entretanto, avanços futuros são possíveis. O aumento do poder de computação, especialmente com Inteligência Artificial (IA) e computação quântica, combinado com grandes volumes de dados, permitirá simulações mais precisas e um melhor entendimento do comportamento dos catalisadores. Ao mesmo tempo, novas técnicas de caracterização em tempo real fornecerão insights mais detalhados sobre os sítios ativos e os mecanismos de reação, aproximando-nos do sonho final: transformar CO₂ em combustível sustentável.

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