Criador e criatura: a saga do BTG e de André Esteves, agora em livro

Chega às livrarias em 15 de maio o livro que tem tudo para se tornar um must read da Faria Lima: De volta ao jogo: A história de sucesso, dramas e viradas do BTG Pactual, da jornalista Ariane Abdallah.

O banco de investimentos mais extraordinariamente bem sucedido – e muitas vezes controverso – da América Latina ganha, enfim, sua primeira biografia.

Outros projetos similares fracassaram, mas desta vez André Esteves cooperou com o livro e a autora teve acesso a mais de 100 pessoas, incluindo sócios, ex-sócios e concorrentes – e o que é inédito, conversou com dona Tânia, a mãe de Esteves, e revela a importância da avó do banqueiro, dona Abeliz, em sua formação. 

“No meu imaginário, é mais ou menos como se a minha avó fosse a minha mãe, e a minha mãe fosse o meu pai,” Esteves disse a Ariane na frase mais poderosamente freudiana e íntima do livro.

Ariane começou o projeto na pandemia e, entre 2021 e o mês passado, fez mais de 50 entrevistas com Esteves.

André Esteves

Honrando as origens do banco, o livro começa traçando uma mini biografia de Luiz Cezar Fernandes até ele fundar o velho Pactual.

O capítulo seguinte vai até 1989, quando Esteves entra no banco como estagiário.

As páginas seguintes contam o crescimento vertiginoso e as grandes jogadas banco, a maioria engendradas por Paulo Guedes e André Jakurski, hoje o dono da JGP.

Guedes – um grande protagonista da primeira parte do livro e o homem da visão macro – era o “farol alto”, enquanto Jakurski transformava suas ideias em trades milionários.

O capítulo 8 descreve a controversa saída de Luiz Cézar depois que os investimentos malsucedidos do fundador fragilizaram sua posição na sociedade. 

A partir daí começa a saga do BTG como a conhecemos: a tesouraria agressiva, as histórias da enorme franquia de banco de investimento, o boom and bust do private equity, a quase venda para a Goldman Sachs, a venda para o UBS e posterior recompra, a prisão de Esteves em 2015 e a quase quebra, e o contato próximo do banqueiro com políticos.

Ao longo de 400 páginas, De volta ao jogo é a história das oportunidades que o Brasil deu a uma geração – nota bene: uma geração que começou a partir de uma base sólida, uma classe média com bastante acesso a uma boa educação – mas também tem tudo para ser o primeiro retrato mais qualificado de Esteves, um jogador de intelecto incomum, talento raro para seduzir pessoas e um apetite para risco muitas vezes temerário. 

Num País que ainda exalta pouco o empreendedorismo e que precisa de mais biografias corporativas, esta obra de Ariane Abdallah – que em 2019 publicou De um gole só: A história da Ambev e a criação da maior cervejaria do mundo – preenche uma enorme lacuna.

O próximo projeto deste gênero é a saga da família Safra, que está sendo escrita por Robson Viturino e também vai sair pela Cia. das Letras, contando como os banqueiros Edmond, José e Moise criaram um império global em meio a perseguições, conflitos e tragédias.

Abaixo, um excerto do capítulo 3 do livro sobre o BTG.

“Meu filho, você vai acreditar em banqueiro?”

“Eu pensava: deve ser legal trabalhar de terno no centro da cidade. Um glamour, aquelas pessoas correndo de um lado para outro, as moças arrumadas. Eu tinha um amor platônico por tudo aquilo, mesmo sem saber direito o que significava.” O contato de Esteves com aquele universo se resumia, na infância, a idas esporádicas de metrô à região onde ficava a Bolsa de Valores, acompanhando sua avó, Abeliz, e, aos quinze anos, quando pediu ao padrasto, Luiz, para ir com ele comprar ações de algumas empresas, com “as migalhas” de dinheiro que havia juntado.

Leitor assíduo de jornal desde cedo — influência da mãe, Tania, uma professora universitária de psicologia da educação que vivia ressaltando a importância do conhecimento —, Esteves acompanhava as cotações da Bolsa e o caderno de empregos, e constatara que era no mercado financeiro que se concentravam as mais promissoras oportunidades de trabalho. Mas ainda não tinha ideia do que faziam na prática aquelas pessoas que andavam arrumadas e apressadas pelo centro do Rio.

Esteves cursava computação, curso que escolhera pensando nas oportunidades da área de informática, que via serem cada vez mais numerosas nos classificados do jornal. Logo que ingressou na faculdade, participou de um concurso interno e começou a trabalhar no Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da UFRJ, que fazia processamento de dados, pesquisas no campo computacional e prestava serviços para terceiros — como a correção do vestibular da Fundação Cesgranrio, projeto pelo qual Esteves ficou responsável. Mas não via ali perspectivas a longo prazo: o emprego era provisório, só para deixar de ser um “peso” para a mãe e a avó, que trabalhavam à exaustão para pagar as contas. Até que um dia, folheando o jornal como sempre, um anúncio chamou sua atenção: banco de investimento procura jovens talentosos, nas áreas de engenharia e informática, que queiram crescer na carreira. Bingo.

Seu repertório social, porém, era restrito. Esteves convivia basicamente com os colegas de curso, os vizinhos da Tijuca, bairro de classe média onde crescera, e com os parentes. Sua mãe e um primo dela tinham sido a primeira geração da família a concluir o ensino superior. Seu pai formara-se contador e, mais tarde, se lançara em alguns negócios, mas vivia altos e baixos, sempre em uma situação financeira difícil. Em 1989, Esteves nunca havia usado um terno na vida, tampouco sabia dar um nó de gravata, mas tinha em mente o que era a imagem do poder e do glamour. Vestiu sua melhor roupa (a calça social que usava para sair à noite e uma camisa de botões) e foi para a entrevista no Pactual.

Qual não foi sua decepção ao ser recebido por Ribeiro Neto no escritório do banco. Com exceção do terno deste, todo o resto lhe transmitia o oposto do glamour que esperava encontrar. O lugar era apertado, a mesa da secretária estava improvisada no hall, o sofá tinha um furo de cigarro. Chegou a pensar que ali praticavam algum tipo de contravenção, mas a má impressão se dissipou quando a conversa começou.

Imediatamente foi seduzido pelo discurso da meritocracia. Esteves estivera sempre entre os melhores alunos da classe e os primeiros colocados nas provas que fazia (foi assim nos concursos que prestou para escolas militares, no vestibular da Puc-Rio e na própria UFRJ). Aprendia com facilidade e gostava de estudar. Ser remunerado pelo que já fazia parecia o cenário perfeito. “Vi pessoas um pouco mais velhas do que eu, de boas universidades, com boas carreiras, falando tudo o que eu achava ideal de ser falado: ‘Você cresce apenas pelo seu talento’, ‘a gente trabalha em time’, ‘você ganha bônus de acordo com o seu desempenho’.” Ao final da entrevista, concluiu que o lugar era de fato “meio feinho, mas deviam ser só as circunstâncias”. Queria muito fazer parte daquele grupo.

Esteves voltou ao banco para falar com Jorge Bannitz, como Ribeiro Neto havia sugerido. Durante as duas horas de entrevista, o garoto se mexeu sem parar, deixando transparecer sua agitação peculiar, puxando a todo momento a gola da camisa, que parecia sufocá-lo. Cada pergunta rendia longas respostas. Embora fosse da área de tecnologia, ficou claro que Esteves não se enquadrava no estereótipo do introspectivo. Quando o candidato foi embora, Bannitz deu seu veredicto para Ribeiro Neto: “É o melhor de todos, de longe”. Apreciou sobretudo a forma como Esteves associava ideias, demostrando uma linha de raciocínio inteligente. Estava aprendendo programação na faculdade, habilidade que seria necessária para a concretização dos planos futuros do banco. E sentiu que o garoto tinha facilidade de relacionamento.

Depois de entrevistas com outros sócios, Esteves recebeu uma proposta: trabalhar em período integral, sem deixar a faculdade e com um salário fixo não muito atraente. “Você vai dar conta de trabalhar duro e fazer a faculdade ao mesmo tempo?”, perguntou Bannitz. “Me garanto”, ele respondeu, aceitando a oferta na hora. Naquele dia, chegou em casa feliz — tinha um emprego no mercado financeiro que lhe parecia promissor —, mas também preocupado. Ganharia menos do que na faculdade e imaginava que a mãe, sua principal conselheira, não acharia que aquela fora uma boa decisão.

Tania Santos da Cruz dedicou a vida à academia, num ambiente ideologicamente inclinado à esquerda. Foi orientadora pedagógica de escola e, depois de concluir o mestrado, professora de psicologia da educação e coordenadora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Valorizava as carreiras intelectuais e tinha crenças socioeconômicas pouco liberais. “Meritocracia”, “divisão de lucros e bônus”, termos ainda pouco difundidos no Brasil da época, soavam para ela como completas balelas.

Na hora do jantar, quando ouviu as novidades do filho — que as contou já sem muita euforia —, Tania não disfarçou a indignação. “Você está me dizendo que vai deixar de trabalhar na universidade e vai trabalhar num banco para ganhar menos?” Esteves explicou a promessa de participação nos lucros e, com alguma timidez, o modelo de partnership. “Esse banco é meio diferente”, disse. “Eu ganho um salário menor, mas se for bem, recebo vários salários a mais no fim do ano. E se eu for bem por vários anos, eles podem me convidar para ser sócio.” A mãe não comprou o discurso. “Ah, filho, você vai acreditar em banqueiro? Já viu banqueiro que divide lucro?” Esteves acreditava. “Mãe, você está achando que os banqueiros são uns caros barrigudos, com cartola e verruga no nariz. Não é assim. São pessoas como eu, um pouco mais velhas e mais qualificadas.”

A aprovação moral da mãe era importante para Esteves. Embora não aliviasse nos comentários, ela o apoiava e se interessava pelos detalhes cotidianos que ele trazia do trabalho. Dois anos depois de ingressar no banco, ele se mudaria para São Paulo. A partir de então, as conversas entre mãe e filho passaram a ser principalmente por telefone, mas seguiram diárias, longas e minuciosas pelas décadas seguintes. Tania nunca deixou de acompanhar a imprensa, e qualquer notícia de economia ou política que possa ter relação com o filho a interessa. É comum ligar para ele pedindo explicações sobre um tema técnico ou uma declaração de um político para entender se — e como — o afetam.

Disciplina e liberdade

“No meu imaginário, é mais ou menos como se a minha avó fosse a minha mãe, e a minha mãe fosse o meu pai.” O entendimento de Esteves sobre a própria estrutura familiar se deve aos papéis que Abeliz Maciel dos Santos, sua avó, e Tania, sua mãe, tiveram ao longo de sua infância. Tania saía de casa às sete da manhã e voltava às onze da noite. Trabalhava muito e gostava. Valorizava compromissos e responsabilidade, o que lhe conferia um ar de seriedade. Quando criança, Esteves passava o dia com a avó, uma manicure que abrira um salão de beleza na década de 1970. Nos fins de semana, seu programa preferido era ir com a mãe ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, ver os aviões decolar e pousar, enquanto tomava uma coca-cola e comia uma empada. Nessa época, os desenhos que fazia na escola tinham sempre aviões e foguetes.

Apesar de ter sido a figura de autoridade na criação do filho, Tania tem outro lado de sua personalidade que foi ganhando mais espaço à medida que o garoto crescia: um jeito despachado e alto-astral de falar e contar causas, caricaturando os personagens com seu forte sotaque carioca, o que com frequência leva os interlocutores às gargalhadas. Quanto mais a audiência ri, mais sua história ganha força, detalhes, descrições exageradas — um talento que o filho herdou. Quando conta histórias, Esteves repete passagens engraçadas, adicionando detalhes que tornam a narrativa cada vez mais atraente.

Mesmo depois de se aposentar, quando Esteves já figurava entre os banqueiros mais bem-sucedidos do país, Tania seguiu trabalhando. Em 2024, era síndica do prédio onde morava — e bastante ativa no cargo, ligando várias vezes ao dia para a portaria a fim de discutir questões administrativas — e, até alguns anos antes, fazia trabalhos como freelancer de ghost-writer[*] para projetos acadêmicos. Viu um anúncio do serviço no jornal e, por curiosidade, ligou para saber o que era. Quando entendeu, gostou da ideia e concluiu que estava apta para atender alunos de mestrado e doutorado. Depois de alguns anos, abriu mão em função do cansaço. Em vez de apenas pôr no papel o conteúdo dos clientes, ela se via responsável por desenvolver os argumentos para as teses mais complexas, muitas vezes fora de sua área de conhecimento.

Tania era adolescente quando conheceu, na vizinhança, Alcides Esteves, com quem viria a se casar — ela, aos dezessete anos, e ele, aos 22. Sua expectativa era já voltar grávida da lua de mel, por isso chorou de decepção quando não aconteceu. Passou os três anos seguintes obcecada pela ideia de ser mãe. Mas nada de engravidar. Até que o casal decidiu que tentaria adotar uma criança. Quatro meses depois, Tania engravidou naturalmente. “O dia em que descobri que estava esperando o André foi o mais feliz da minha vida.” O filho nasceu em 12 de julho de 1968.

Quando Esteves tinha seis anos, Tania e Alcides se separaram. Fo uma decisão pacífica. Mas no dia em que comunicaram ao filho, ele chorou “alucinadamente”, sentado na cama dos pais. “Senti uma tristeza profunda”, ele afirmaria mais tarde. Disse que queria morar com a mãe, mas perguntou se o pai o visitaria com frequência. Sim, responderam. Alcides levava Esteves para almoçar fora, e a convivência com Tania seguiu tranquila — mesmo ela arcando com os aluguéis que o ex-marido atrasava.

Como bem define Esteves, Alcides era um “boa-praça”, com uma personalidade leve, entre irresponsável e inocente. “Era impossível brigar com ele”, diz. Usava algumas palavras de modo peculiar, atribuindo a elas um significado próprio. As mais marcantes eram “ingratidão” — que usava quando reclamavam dele (“ingratidão, hein?”) — e “descaralhar”, no sentido de “está de sacanagem”: “Chegou às seis horas da manhã, descaralhou, né?”. Alcides empreendeu diferentes negócios, que por vezes davam certo, mas logo minguavam, quando então mudava de rumo. Um deles foi uma fábrica de produtos químicos no quintal de casa. Mais tarde ele se casaria de novo e teria mais dois filhos, com os quais, na vida adulta, Esteves teria uma relação próxima e alguns negócios.

Na infância, porém, Esteves era filho único de uma mãe sem irmãos — ou seja, neto único. Sua avó, Abeliz, com quem sempre teve uma relação próxima, era conhecida por sua personalidade irreverente: convicta de suas ideias, brava e de uma sinceridade desconcertante, que se tornava cômica. Fazia comentários como “linda essa blusa, mas ela te envelhece”, “bonito seu cabelo, você pintou?” ou “quanto você pagou nessa bolsa? É horrorosa” até para pessoas com quem não tinha intimidade. Mesmo adulto, Esteves seguiu falando com ela todo dia ao telefone. Abeliz não se constrangia em introduzir o tema macroeconômico — mesmo quando ele já havia desenvolvido conhecimento técnico em ativos de renda fixa. “O que está achando do mercado, André?”, ela perguntava, sondando-o. “Parece que os juros vão cair…”, ele respondia, ao que ela interrompia, gargalhando. “O quê? Não vão mesmo. Fui duas vezes ao mercado essa semana. Não estou vendo a inflação ir embora, não sei onde você está vendo isso. Vais perder dinheiro!”

Abeliz havia se separado do pai de Tania ainda grávida, numa época em que era incomum e malvisto uma mulher se desquitar. Não manteve contato com o ex nem falava do assunto em família. Tania só foi saber um pouco mais do pai depois que ele e a mãe tinham morrido, quando uma tia que Tania nem sabia que existia a procurou para avisar da herança: um apartamento antigo, mas espaçoso, na avenida Rui Barbosa, no Flamengo, tradicional bairro no Rio. Lá, Tania encontrou lembranças dos dois, como uma foto do casamento de Abeliz, datada de dois anos antes de seu nascimento. Durante toda a vida das duas, era como se aquele passado jamais houvesse existido.

O que consideravam família se estendia, no máximo, ao irmão da matriarca, Abel, um corretor de imóveis que costumava criar polêmicas com suas opiniões, e a irmã Abelita, madrinha de batismo de Esteves junto com seu marido, Julio. O casal também tinha um filho, Marvio, presente nos primeiros anos do garoto. Era na casa deles que Esteves ficava quando a mãe viajava para trabalhar no Projeto Rondon — uma iniciativa governamental que levava universitários para realizar ações sociais em comunidades carentes — por trinta dias. Abelita fez os primeiros cortes no cabelo do afilhado. Julio era funcionário do Instituto Brasileiro do Café e uma de suas funções era provar a bebida. Em casa, tinha o hábito de beber uísque e, em vários fins de semana em que o sobrinho-neto estava hospedado lá, por volta de seus nove anos, uma cena pitoresca se repetia: Julio dava pequenas doses de uísque para ele provar, explicando as diferenças de cada marca ao som do clássico “Don’t Let Me Be Misunderstood”, uma canção de dezesseis minutos do grupo Santa Esmeralda. Certa vez, Julio ganhou na loteria e deu um Fusca de presente para a mãe de Esteves.

Abeliz viveu seus últimos seis meses internada num hospital no Rio de Janeiro. Tania passava a semana com a mãe, e Esteves, que agora morava em São Paulo, viajava para ficar com a avó sábado e domingo, das nove às cinco da tarde. Às quartas-feiras, fazia um voo bate e volta no horário em que os médicos passavam para atualizar seu quadro. Ela faleceu em 2014.

Ter sido criado por duas mulheres independentes, de pulso firme e dedicação intensa, deu a Esteves uma infância sem sobressaltos. Sentia-se exigido, mas não pressionado. Entendia que nada ao seu redor acontecia sem esforço, e que ele tinha responsabilidades — como ir bem na escola, onde a mãe lecionava e ele era bolsista, e fazer natação (indicação do médico, por causa da bronquite que se manifestou quando tinha um ano). Assim, aprendeu a ter disciplina com liberdade de pensamento e expressão. Sem tempo nem dinheiro sobrando, a família sabia da importância de funcionar como um time entrosado, cada um dando conta de sua parte no cotidiano, sem desperdícios nem queixumes. Abeliz, Tania e Esteves dividiam o mesmo traço fundamental: a autonomia.

No último ano do colégio, Esteves começou a planejar o que faria a seguir. À parte o interesse etéreo que cultivava pelo mercado financeiro, decidiu buscar um emprego que prometesse estabilidade e oportunidade de crescimento na carreira. Ouvindo os adultos — incluindo a avó — falarem da Marinha Mercante no Rio de Janeiro com admiração, como se esta fosse uma divisão mais sofisticada das Forças Armadas, acreditou que poderia ser a resposta. A prova para ingressar no grupo era difícil e disputada, então se concentrou nela, deixando o vestibular de lado. Durante um ano, preparou-se em um curso especializado. Passou em primeiro lugar.

Mas durante os dois meses iniciais logo viu que não iria se adaptar. A disciplina que desenvolvera na infância era de outra natureza. Na Escola Naval, não havia espaço para decisões autônomas e independentes. Tampouco entendia o sentido das ordens que tinha de acatar — a formalidade no tratamento com os superiores hierárquicos, o modo exato de arrumar a cama, sem uma única ruga no lençol. Como questionava as regras ou ria quando recebia algum comando, vivia de castigo (dando voltas no campo cantando o hino da corporação). Além dos percalços rotineiros, a carreira logo se revelou estática demais para suas ambições. Pensou que, se desse seu melhor e, dali a vinte anos, ocupasse o cargo mais alto da Marinha Mercante, capitão de longo curso, faria pouca diferença no mundo. “Eu não vou ser feliz aqui”, concluiu. E deixou a escola — mas agora tinha um problema: o que fazer a seguir, se nem vestibular havia prestado?

Então teve uma ideia: poderia dar aulas no cursinho preparatório onde havia estudado, o que lhe renderia alguma remuneração, e faria as provas como representante do curso. Por ser bom aluno, conseguia posições de destaque no ranking, o que funcionava como propaganda para a escola. A proposta foi aceita pelos gestores do curso. No ano seguinte ingressou na ufrj. Em pouco tempo adentraria as fileiras do mercado financeiro.

The post Criador e criatura: a saga do BTG e de André Esteves, agora em livro appeared first on Brazil Journal.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.