A nova doutrina Trump e a Realpolitik de Walter Russell Mead

A política externa do segundo governo de Donald Trump desafia rótulos simplistas. Se o termo “isolacionismo” poderia ser aplicado à sua primeira gestão, agora a dinâmica geopolítica é bem diferente. As mudanças abruptas em alianças estratégicas sugerem a alguns analistas a existência de um “G3”, uma nova divisão global de influência que fortalece os interesses da Rússia e da China. Enquanto isso, a visão do presidente Joe Biden de uma cruzada do mundo livre contra regimes autocráticos parece ceder espaço a uma lógica de acordos pragmáticos.

Dois historiadores renomados ajudam a interpretar essa mudança de abordagem. Na coluna da semana passada, analisamos o ponto de vista de Niall Ferguson que argumentou que a Doutrina Trump representa uma ruptura histórica impulsionada pela crescente dívida pública americana.

Hoje, analisamos a perspectiva de Walter Russell Mead, expoente do pensamento conservador e influenciado por Henry Kissinger. Para Mead, a estratégia de Trump se alinha à tradição diplomática dos EUA e não representa uma inovação radical.

Uma Política Externa com Precedentes

Walter Russell Mead, referência em realpolitik, propõe uma leitura pragmática das ações de Trump. Ele rejeita tanto as críticas alarmistas quanto as narrativas que exaltam o presidente como um estrategista revolucionário. Em sua análise, Mead vê continuidade entre Trump e seus antecessores, incluindo democratas como Barack Obama e Joe Biden.

Enquanto Trump quase implodiu a aliança transatlântica, os críticos de sempre entraram em frenesi, tão eloquentes quanto inevitavelmente inúteis. Por outro lado, os apoiadores da agenda MAGA exaltaram sua ousadia, afirmando que ele rompe todas as regras com sua suposta jogada de xadrez em 3D. Mas ambos ignoram que a política de Trump em relação à Rússia segue uma tradição histórica.

Mead compara a abordagem de Trump à de líderes europeus como Gerhard Schröder e Angela Merkel, que buscaram estreitar laços econômicos com Moscou. Além disso, aponta semelhanças com Obama, que via o conflito EUA-Rússia como um resquício anacrônico da Guerra Fria. Até mesmo Biden, segundo Mead, tentou “estacionar” a Rússia, evitando um confronto direto e buscando um acordo prático.

A Relação EUA-Europa sob pressão

Mead destaca um dos principais pilares da política externa de Trump: a cobrança para que países europeus, especialmente a Alemanha, aumentem seus gastos militares. Segundo essa lógica, a Europa não apenas falhou em fortalecer sua defesa, como também aproveitou oportunidades comerciais com a Rússia, mesmo que isso reforçasse a influência de Moscou.

A antiga política americana forçava os EUA a implorar para Berlim parar de minar sua própria segurança ao depender da energia russa. O time de Trump quer inverter essa dinâmica. Como a Rússia está mais próxima da Alemanha e representa uma ameaça maior para ela do que para os EUA, deveria ser a Alemanha a arcar com sua própria defesa, enquanto os EUA buscam laços comerciais com um país que não os ameaça diretamente.

Esse raciocínio pode explicar por que Trump tem pressionado aliados da OTAN a aumentarem seus orçamentos militares. Para o governo americano, essa mudança permitiria que os EUA reduzissem seu próprio gasto com defesa sem comprometer sua posição global.

Um caminho sem volta?

Olhando para a história, Mead lembra que Henry Wallace, ex-vice-presidente de Franklin D. Roosevelt, se arrependeu de sua ingenuidade ao lidar com a União Soviética nos anos 1940. O tempo dirá se Donald Trump seguirá o mesmo caminho ou se sua estratégia representará um realinhamento duradouro da política externa americana.

*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam

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