De vila ferroviária abandonada a centro cultural, conheça o Design do Lajeado

Uma estação esquecida pelo tempo, casas que um dia abrigaram operários e chefes ferroviários, e uma história à beira do esquecimento. Esse poderia ser o fim da Parada Gavião Gonzaga, uma vila ferroviária que está entre as mais altas do Brasil, com altitude de 1.653m, em Campos do Jordão/SP. Mas, em vez de ruínas, nasceu ali um espaço vibrante de cultura, aprendizado e tradição: o Design do Lajeado, um centro cultural que une exposições artísticas e oficinas gratuitas de artesanato para jovens da cidade.

Inaugurado em novembro de 2023, o projeto deu nova vida à antiga vila ferroviária da Serra da Mantiqueira. As antigas casas dos operários foram restauradas e hoje abrigam a sede de oficinas, onde moradores da região aprendem panificação e técnicas de artesanato como design em madeira, tear, bordado e cerâmica. As aulas são ministradas para turmas de até 20 alunos, promovendo capacitação e resgate cultural.

Já as residências que um dia pertenceram aos chefes ferroviários se transformaram em um centro de exposições – um espaço dedicado à arte local. Além de mostras de artistas da região, o local comercializa artesanatos produzidos nas oficinas, fortalecendo a economia criativa e incentivando os aprendizes a explorarem seus talentos. Para que pudesse ser usada como centro cultural, a Gavião Gonzaga passou por um processo de revitalização com apoio de empresários e membros da comunidade. Para contar mais sobre a transformação dessa vila ferroviária, o Habitability conversou com Valéria Parizotto, curadora do Design do Lajeado. Confira!

Valéria Parizotto (Foto: Arquivo pessoal)

Como surgiu a ideia de revitalizar a vila ferroviária Gavião Gonzaga e transformá-la em um espaço comunitário voltado para as artes?

Valeria Parizotto: No início do século passado, logo que a ferrovia foi inaugurada, na década de 1920, a região do Gavião Gonzaga era ocupada por uma colônia de japoneses que cultivavam cenoura, cebola e alho e escoavam sua produção, pela ferrovia, para o Vale do Paraíba/SP, Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP – já que não havia estradas nem veículos. Portanto, aquela Vila Ferroviária tinha grande importância econômica para a região. Até por isso, era uma das maiores e mais estruturadas de toda a ferrovia, com cinco casas e um ramal de desvio.

Parada Gavião Gonzaga (Foto: Divulgação/ Design do Lajeado)

Esse papel histórico, sempre povoou a memória dos jordanenses e proprietários de terras no bairro. Com o abandono da Parada Gavião, como o local era chamado, na década de 1980, os empresários das imediações sempre imaginavam criar algum uso para o espaço que pudesse dar o justo valor a tão importante patrimônio. Algumas tentativas foram feitas nos anos 2010, sem sucesso.

E quando isso começou a ser possível?

Valeria Parizotto: Com a criação do Roteiro Turístico Alto Lajeado, em 2020, a união dos empresários gerou o empenho necessário para propor à Estrada de Ferro de Campos do Jordão, que abrisse uma licitação para possibilitar a locação dos imóveis pela iniciativa privada. Assim, em agosto de 2022, as casas foram alugadas e iniciou-se uma lenta recuperação do espaço, pois, infelizmente, as construções estavam em péssimas condições.

O que motivou o grupo de empresários e voluntários a investir nesse projeto da vila ferroviária?

Valeria Parizotto: Alguns dos empresários do Roteiro Alto Lajeado, apaixonados por arte e design, já sonhavam em transformar o espaço em um museu ou escola de artes, muito antes dos imóveis estarem disponíveis. Assim que isso ocorreu, foi possível iniciar pequenas obras. E, em meados de 2023, elas foram concluídas, viabilizando a ocupação e o uso das Casas dos Chefes de Turma (hoje, Design do Lajeado).

Sobre o processo de revitalização, uma vez que o local estava abandonado há anos, quais foram os principais desafios estruturais que vocês encontraram?

Valeria Parizotto: Por serem construções antigas, erguidas por volta de 1930, as casas têm uma estrutura sólida. Porém, o madeiramento dos telhados e os assoalhos tiveram que ser totalmente recuperados, pois encontravam-se em condições precárias, carcomidos por cupins, o que favorecia o aparecimento de inúmeras goteiras. Além disso, toda a instalação hidráulica e elétrica havia sido furtada e teve que ser refeita.

Houve a preocupação em preservar características originais?

Valeria Parizotto: Para permitir a ocupação das casas, foi elaborado um projeto de restauração pela arquiteta Ana Tojeira, pós-graduada em Patrimônio Histórico Arquitetônico. E, para a pintura final, foi feita uma pesquisa iconográfica com historiadores da região para definir as cores originais. O objetivo primeiro da locação e ocupação da Parada Gavião sempre foi a preservação da memória e do patrimônio histórico. Desse modo, a única intervenção foi a abertura de passagens nas paredes para intercomunicar os imóveis e seus cômodos e, com isso, possibilitar seu uso como ambientes contínuos.

Qual foi a participação da comunidade nesse processo? Os moradores se envolveram de alguma forma?

Valeria Parizotto: As primeiras inscrições de jovens no projeto foram reservadas aos filhos de funcionários das empresas do Roteiro Alto Lajeado. Hoje, cerca de 50% dos inscritos são provenientes da comunidade do bairro, sem qualquer vínculo com aquelas empresas. A comunidade de Campos do Jordão, principalmente por meio de seus historiadores e agentes culturais, também participou ativamente com informações e incentivo à restauração. Hoje, todos frequentam o espaço assiduamente, inclusive ministrando palestras e trazendo novas informações aos jovens.

Falando agora sobre o impacto social desse trabalho, como o Design do Lajeado promove um resgate da memória ferroviária de Campos do Jordão?

Valeria Parizotto: Foi criada uma exposição fotográfica no Design do Lajeado, onde são contados fatos técnicos e da história da ferrovia. Essa mostra faz, inclusive, uma homenagem à Aurora Nogueira Barros Vasconcellos, que dá nome à estrada onde a vila está situada, com uma foto sua tirada na ferrovia, no dia de seu aniversário de 16 anos, em 1953.

Como vocês escolheram as atividades oferecidas nas oficinas?

Valeria Parizotto: Desde sua primeira exposição de objetos de arte e design, o espaço atraiu diversas artistas voluntárias para o projeto. As atividades propostas nas oficinas foram aquelas dominadas por essas voluntárias que, além de exporem seus trabalhos, passaram a ensinar sua arte aos jovens criativos da comunidade. Todos os nossos visitantes podem esperar uma grande dose de encantamento e surpresa, pois o espaço, além de bucólico e acolhedor, guarda muita criatividade e inovação.

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Quais são os próximos passos para o Design do Lajeado? Há planos de expansão ou novas atividades?

Valeria Parizotto: Além das oficinas regulares, todas as terças e quintas o espaço também realiza workshops e vivências com artistas, além de eventos mensais onde novos expositores ou coleções são apresentados.

Você acredita que a revitalização da vila ferroviária pode atrair mais turismo cultural para Campos do Jordão?

Foto: Divulgação/ Design do Lajeado

Valeria Parizotto: Sem dúvida a população brasileira vem se interessando cada vez mais por iniciativas culturais e aprecia colocar um pouco mais de arte e design em seu dia a dia.  Apesar de estar localizado em um Roteiro Turístico muito procurado, a cada dia recebemos mais visitantes únicos, que se deslocaram até o bairro apenas para conhecer o Design do Lajeado.

Você enxerga esse projeto como um modelo que poderia ser replicado em outras regiões com patrimônio ferroviário abandonado?

Valeria Parizotto: O Brasil teve um rico passado ferroviário que, por políticas de transporte equivocadas e falta de investimento público, foi reduzido a escombros. Hoje, porém, por meio dos apelos turístico, cultural e empresarial, muitas estruturas estão sendo recuperadas e devolvidas à população com, ao menos, parte da sua glória. Tenho certeza de que nosso projeto poderá servir de inspiração para outros locais.

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