A curiosa origem da SEGA com as máquinas caça-níqueis — e como uma lei mudou completamente os rumos da empresa

Você provavelmente já conhece a importância da divisão americana da SEGA em um dos capítulos mais memoráveis da história dos games: a famosíssima guerra de consoles, travada entre Nintendo e SEGA nos EUA entre meados dos anos 80 e 90. Um período riquíssimo em histórias estimulantes, embates e estratégias de marketing que até hoje são revisitadas.

Mas você sabia que a relação da SEGA com os Estados Unidos vai muito além disso, estando intrinsecamente ligada à sua origem? E que uma lei norte-americana foi o que transportou a ideia inicial da SEGA para o Japão, visando atender a um mercado completamente diferente dos videogames? Estamos falando dos jogos de azar, com máquinas caça-níqueis. Vamos embarcar nessa curiosa história, que é permeada por uma série de camadas interessantes.

A origem: Standard Games

A história da SEGA como corporação é digna de roteiro de filme. São tantos acontecimentos em um curto espaço de tempo que se torna uma narrativa de tirar o fôlego. Mas vamos resumir isso em pontos-chave.

Tudo começa com uma empresa fundada em Honolulu, Havaí, em maio de 1940: a Standard Games, criada por três empresários americanos — Martin Bromley, Irving Bromberg e James Humpert. Entre os três, Bromley teve um papel central para chegarmos à SEGA voltada aos games como conhecemos hoje. Falarei mais sobre isso adiante.

O trio fundou a Standard Games para fornecer máquinas de diversão operadas por moedas, incluindo máquinas caça-níqueis, para as bases militares no Havaí. Era uma visão de mercado claramente influenciada pelo aumento do número de militares devido à Segunda Guerra Mundial.

O nascimento da Service Games

Com o fim da guerra, em 1945, os fundadores venderam a Standard Games e formaram outra empresa no ano seguinte: a Service Games. Novamente, com um tino comercial alinhado ao espírito da época.

O pós-guerra catapultou os Estados Unidos para um período de prosperidade e crescimento. O aumento nas atividades de lazer e entretenimento era evidente — e a Service Games estava pronta para lucrar com isso.

A ideia era seguir fornecendo máquinas de caça-níqueis e outros dispositivos operados por moedas para instalações militares americanas.

A crescente desconfiança do governo

No entanto, o governo dos EUA começou a arquear as sobrancelhas diante do crescimento da popularidade dos jogos de azar. Essas máquinas geravam debates entre a população e chegaram a ser apelidadas de “bandidos de um braço só (one-armed bandits)“, em alusão à alavanca usada para acionar o jogo.

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Com o aumento da percepção pública negativa — especialmente por parte daqueles que perdiam dinheiro e culpavam as máquinas — o governo decidiu agir. E a resposta foi como um trator sobre os planos da Service Games.

A Lei Johnson: a virada

Em 1951, como resposta direta às crescentes preocupações com os jogos de azar e ao seu potencial envolvimento com o crime organizado, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei de Transporte de Dispositivos de Jogo, também conhecida como Lei Johnson, em referência ao senador Edwin C. Johnson, do Colorado.

Johnson era uma das vozes mais ativas contra os jogos. Acreditava que a proliferação de caça-níqueis e jogos de azar ameaçava a moral pública e corrompia comunidades.

O impacto direto sobre a Service Games

Na prática, a Lei Johnson proibia o transporte interestadual de máquinas de jogos de azar dentro dos Estados Unidos, exceto em estados onde esse tipo de jogo fosse legalmente permitido — como Nevada.

Com essa restrição, a Service Games não podia mais enviar máquinas livremente entre os estados. A base do seu modelo de negócios estava em xeque.

Lembra de Martin Bromley, um dos fundadores da Standard Games? Ele também foi o responsável por encontrar uma saída estratégica: expandir fronteiras. Buscar outros mercados.

A jogada de mestre: Japão

Em 1952, Bromley enviou os funcionários Richard Stewart e Ray LeMaire para Tóquio, com o objetivo de estabelecer a Service Games of Japan. A ideia era fornecer máquinas de caça-níqueis para as bases militares americanas no Japão, contornando a Lei Johnson.

E assim foi feito. A empresa foi oficialmente registrada em maio de 1952, inicialmente operando sob o nome “LeMaire and Stewart”, antes de adotar o nome Service Games of Japan. O sucesso veio rápido, e as operações se expandiram para outras regiões como Coreia do Sul, Filipinas e Vietnã do Sul.

A primeira vez que o nome “Sega” apareceu

Abaixo você pode ver uma imagem de uma das máquinas caça-níqueis da Service Games que encontrei à venda neste site. E essa não é uma máquina qualquer: é a histórica Diamond Star.

Lançada em 1954, ela foi o primeiro produto comercial a exibir o nome “Sega” — uma abreviação de Service Games, usada como detalhe estratégico e comercial.

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É curioso pensar que a marca Sega surgiu numa máquina de jogo de azar, e não em um game ou arcade/console. Um contraste completo com a imagem que temos hoje da empresa. Abaixo um vídeo desse caça-níquel:

A dissolução da Service Games e o nascimento da nova SEGA

Com o tempo, a Service Games passou a ser investigada por envolvimento em negócios obscuros. O resultado foi a dissolução oficial da empresa em 31 de maio de 1960.

Com a dissolução, Bromley reorganizou os ativos da empresa, dividindo as operações em duas novas companhias: Nihon Goraku Bussan, que vendia e alugava equipamentos, e a Nihon Kikai Seizō, que os fabricava, conforme destaca o site japonês da SEGA.

A fase dos jukeboxes

Esse novo momento dos negócios expandiu a atuação da SEGA para outras áreas — como os jukeboxes. Sim, a SEGA também esteve envolvida com as famosas máquinas de reprodução de músicas. Um exemplo é a SEGA 1000, o primeiro jukebox produzido domesticamente para o mercado japonês. Uma SEGA1000 foi exibida ano passado no evento Amusement Expo 2024, realizado em Tóquio.

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Assim como hoje, o nome SEGA foi usado nesse produto em caixa alta como marca registrada. O número 1000 do nome do jukebox também aparece no primeiro console lançado pela empresa, o SG-1000, que chegou ao mercado em 1983, no mesmo mês de lançamento do Nintendo Famicom, julho.

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A aquisição da Rosen Enterprises

As duas empresas fundadas por Bromley se fundiram novamente em 1964. No ano seguinte, a empresa adquiriu a Rosen Enterprises, fundada em 1957 por David Rosen, um oficial da USAF que estava no Japão. A empresa dele atuava importando jogos operados por moedas para o Japão.

Além da aquisição, Bromley reconheceu o talento de Rosen para os negócios e o colocou como CEO da nova empresa originada da fusão: SEGA Enterprises Ltd.

Um novo posicionamento

Com a nova liderança, a SEGA mudou seu posicionamento de mercado. Ao invés de continuar alugando caça-níqueis para bases militares, a empresa focou no mercado civil japonês, investindo em pinballs, jogos de armas e jukeboxes.

A chegada aos videogames

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O salto definitivo para os videogames, por meio dos arcades, viria na década seguinte — mais precisamente em 1973, com a máquina PONG-TRON.

Mas isso já é assunto para outra hora!

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