Cidade chinesa transforma o Feng Shui em planejamento urbano

Ao longo da história, as cidades têm sido moldadas por diferentes visões de mundo. Algumas crescem guiadas pela lógica do progresso industrial, outras por modelos econômicos, geopolíticos ou religiosos. Mas e se uma cidade inteira fosse concebida a partir de uma filosofia milenar voltada ao equilíbrio entre ser humano e natureza? Tekesi, localizada na Região Autônoma de Xinjiang, na China, é a materialização dessa ideia e faz uso do urbanismo radial para melhorar a qualidade de vida na cidade. Internacionalmente reconhecida por seu planejamento urbano singular, Tekesi foi projetada com base nos princípios do Feng Shui, sistema filosófico chinês que busca harmonia entre os elementos naturais e os ambientes construídos.

O traçado da cidade remete ao tradicional Bagua, símbolo octogonal do Feng Shui. Seus eixos urbanos foram pensados para favorecer o fluxo de energia (ou “chi”) e promover bem-estar aos seus habitantes. Mais do que uma curiosidade arquitetônica, Tekesi levanta questões profundas sobre como os espaços urbanos são projetados e quais valores escolhem privilegiar ao fazê-lo. Em tempos em que o debate sobre cidades sustentáveis e humanas ganha força, Tekesi convida a refletir: seria possível repensar o urbanismo a partir de princípios de equilíbrio, espiritualidade e respeito à natureza?

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Feng Shui e urbanismo

​O Feng Shui busca harmonizar as energias dos ambientes para promover bem-estar, saúde e prosperidade. Baseado na observação da natureza e nas filosofias taoístas, concentra-se na circulação ideal do Chi (energia vital) nos espaços, visando melhorar a saúde, a felicidade e a prosperidade. 

Um dos conceitos fundamentais do Feng Shui é o Yin e Yang, que representam forças opostas e complementares presentes no universo. Além disso, os Cinco Elementos — Madeira, Fogo, Terra, Metal e Água — são considerados essenciais, pois interagem entre si e influenciam o ambiente de diversas maneiras. A prática do Feng Shui envolve a análise e o equilíbrio dessas forças no ambiente para determinar se um local é adequado para habitação ou construção.

Uma ferramenta essencial no Feng Shui é o Baguá, um diagrama octogonal composto por oito trigramas que representam diferentes aspectos da vida, como família, prosperidade e carreira. Ao aplicar o Baguá em um espaço, é possível identificar áreas que necessitam de ajustes para melhorar o fluxo energético e, consequentemente, a qualidade de vida dos ocupantes. ​

Embora o Baguá seja tradicionalmente uma ferramenta aplicada de forma individual, sua forma serviu como inspiração para a concepção da cidade chinesa de Tekesi, onde foi adotado em grande escala no planejamento urbano.

Como a harmonia energética do Feng Shui inspirou o planejamento de Tekesi?

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Foto: ZCOOL HelloRF/ Shutterstock

Fundada em 1937, Tekesi foi projetada de maneira a espelhar o diagrama do Baguá. No centro da cidade encontra-se uma praça, a partir da qual irradiam oito avenidas principais, cada uma representando um dos trigramas do Baguá. Essas vias estão conectadas por quatro anéis viários concêntricos, formando um desenho geométrico que lembra uma mandala. 

As oito avenidas principais e os quatro anéis viários formam uma rede de 64 ruas, um número que não é aleatório. Ele corresponde às 64 combinações possíveis dos trigramas no I Ching, o antigo livro das mutações, que é um dos textos mais importantes da filosofia chinesa. Esse número carrega um simbolismo profundo, representando a totalidade do universo e a interconexão de todas as coisas. Em Tekesi, essa simbologia se materializa em um layout urbano que busca harmonizar o homem com o cosmos.

Um modelo de urbanismo radial 

Foto: ZCOOL HelloRF/ Shutterstock

A estrutura radial e circular de Tekesi vai além de uma simples homenagem simbólica à filosofia chinesa, ela representa uma solução urbana engenhosa, com benefícios práticos. Com oito avenidas principais irradiando de um ponto central e interligadas por quatro anéis concêntricos, o layout da cidade foi projetado para promover fluidez no tráfego. Esse desenho estratégico reduz drasticamente os pontos de cruzamento e praticamente elimina a necessidade de semáforos, tornando a mobilidade mais eficiente.

Para uma cidade com cerca de 150 mil habitantes, essa fluidez é um diferencial. O tráfego se organiza de forma natural, permitindo que motoristas se desloquem entre diferentes áreas sem enfrentar os congestionamentos comuns em outras cidades do mesmo porte. A circulação acontece de forma quase orgânica, favorecida por um traçado que redistribui o movimento de veículos de maneira equilibrada. Paralelamente, a cidade se destaca por integrar princípios de mobilidade sustentável em seu projeto urbano. Calçadas largas e bem cuidadas, ciclovias seguras e conexões eficientes com o transporte público incentivam os moradores a escolherem opções de transporte mais saudáveis e ecológicas. 

O design circular-radial de Tekesi também facilita a criação de espaços públicos centrais, promovendo a interação comunitária e fortalecendo o tecido social. Praças e parques localizados nos anéis concêntricos servem como pontos de encontro naturais, onde eventos culturais e atividades recreativas podem ser realizados, enriquecendo a vida comunitária.

Dessa forma, o conceito de Tekesi reflete diretamente os princípios do Feng Shui, que enfatizam a harmonia entre o ambiente construído e o bem-estar dos habitantes. O planejamento da cidade favorece uma circulação de energia equilibrada, criando espaços urbanos que promovem qualidade de vida, interação social e um contato mais próximo com a natureza. Como resultado, Tekesi se consolida como um modelo de urbanismo inovador, combinando tradição, funcionalidade e sustentabilidade.

Urbanismo radial melhora mobilidade e laços comunitários

O modelo urbano de Tekesi, embora seja o único por incorporar os princípios do Feng Shui em seu planejamento, não está sozinho ao adotar um traçado baseado em eixos radiais e anéis concêntricos. Diversas cidades ao redor do mundo já utilizaram essa configuração para atender a diferentes propósitos, como mobilidade eficiente ou organização comunitária.

Em Paris, por exemplo, o Arco do Triunfo, situado no centro da Place Charles de Gaulle, é o ponto de convergência de doze avenidas que irradiam em forma de estrela. Esse design radial não só facilita o acesso à área central como também contribui para a distribuição eficiente do tráfego na capital francesa, mantendo um fluxo dinâmico e controlado.

Arco do Triunfo em Paris na França (Foto: nomadicnava/ Shutterstock)

Por outro lado, em Brøndby Haveby, na Dinamarca, a “Cidade Jardim de Brøndby” adota um conceito circular no qual conjuntos de casas são dispostos em círculos concêntricos. Esse layout promove um forte senso de comunidade, favorecendo a interação entre os moradores e criando amplos espaços verdes compartilhados, com foco no bem-estar e na sustentabilidade.

Cidade Jardim de Brøndby (Foto: Pim de Boer/ Unsplash)

Esses exemplos demonstram como o urbanismo radial pode ser aplicado de diferentes maneiras, seja para otimizar o tráfego, fortalecer laços comunitários ou mesmo refletir princípios filosóficos na organização espacial das cidades.

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