Segue o ‘cria’: Ruan Juliet mostra a vida na favela (e já comprou sua laje)

No enorme fosso social que é a marca deste País, muitos brasileiros conhecem as favelas apenas em tese – por fotografias e filmes – sem nunca terem pisado numa.

A ponte entre as duas realidades muitas vezes parece impossível, mas Ruan Gabriel da Silva Nascimento está usando as redes sociais para mudar isso.

Ruan Juliet — como ele é conhecido nas redes — está atraindo cada vez mais seguidores mostrando o dia a dia na Rocinha, dando voz a seus mais de 70 mil moradores e desmistificando tabus sobre a vida na favela. 

Ruan Juliet ok 1 1

Nascido e criado na comunidade carioca – cuja população é maior do que a de 91% das cidades brasileiras – o jovem de 21 anos explica em vídeos curtos (e sempre bem humorados) as curiosidades que muita gente tem sobre a vida no morro.

“Como é feita a construção das lajes?” “Como funciona a coleta de lixo?” “Como os moradores estacionam os carros?” “Como é a coleta do esgoto?”

Lá no alto da Rocinha, o transporte público não sobe, o delivery não chega, o esgoto é a céu aberto, e a segurança depende de acordos com a milícia e o tráfico. 

Mas Ruan mostra também que boa parte das soluções para esses problemas acabam partindo da própria comunidade.

“A favela nunca teve voz do jeito certo,” Ruan disse ao Brazil Journal. “Ela sempre era mostrada como um lugar de tragédia e violência. Mas se esquecem da criatividade que tem aqui, da arquitetura e da história dos moradores.”

“Nossa história tem que ser narrada por nós mesmos. Porque se a gente não contar, vão vir de fora contar do jeito errado.”

Hoje com mais de 500 mil seguidores no Instagram e 770 mil no TikTok, Ruan começou a gravar vídeos de maneira despretensiosa há cinco anos. 

Trabalhando desde os 12 na barraca de eletrônicos de seus pais na Via Ápia, a principal rua de comércio da Rocinha, seus primeiros vídeos eram para divulgar a barraca, mostrando o que a família vendia.

“Mas comecei a ganhar muitos seguidores, acho que porque eu não postava nada montado. Era a vida como ela é: um cara jovem, preto e periférico trabalhando na principal rua de comércio da maior favela do Brasil,” disse ele. 

Ruan só decidiu se dedicar 100% à internet depois que um de seus ‘Reels’ no Instagram viralizou. No vídeo, ele mostrava uma casa na favela e o preço do aluguel que era pago lá. O conteúdo era uma grande novidade: da noite para o dia, Ruan pulou de 70 mil para 170 mil seguidores.

“Depois desse vídeo eu vi que tinha um caminho e comecei a postar todos os dias.” 

Hoje ele publica de 20 a 30 stories por dia, além de um vídeo no final da tarde. Além do Instagram e TikTok, ele entrou recentemente no Kwai, onde já tem 40 mil seguidores. 

Das centenas de vídeos que já fez, dois são seus preferidos.

O primeiro é um vídeo que fala do ‘carteiro amigo’, uma solução criada pelos moradores da Rocinha para que as casas que não têm CEP consigam receber correspondências. 

“É um espaço na rua principal da Rocinha que as pessoas usam como endereço para receber as compras. Foi uma ideia de um morador daqui, e que hoje virou uma empresa para ele. As pessoas pagam todo mês um valor para usar essa solução,” disse Ruan. “Gosto dessa história porque ela mostra como os próprios moradores criam soluções toda hora.”

O segundo vídeo mostra a história de Michael Batista, o ‘Mick do Skate’ — um paraplégico que mora há 40 anos na Rocinha mas que, em vez de usar uma cadeira de rodas, anda pelos becos e vielas da comunidade de skate. 

Michael Batista ok

Mick disse ao Brazil Journal que o vídeo de Ruan impactou muito sua vida – pela repercussão que teve e por jogar luz sobre uma realidade que pouca gente conhece.

“O legal é que o vídeo mostra que nada é impossível. Por mais que a gente tenha dificuldades, sempre dá para dar um jeito de sobreviver. Só tem que ter fé e coragem,” disse ele.

Hoje com 52 anos, Mick é paraplégico desde criança. Primeiro tentou se adaptar com um aparelho para as pernas feito de ferro e couro, “mas no verão esquentava tanto que eu ficava com a perna em carne viva.”

“Depois comecei com a cadeira de rodas, mas tomei um tombo e bati a cabeça e peguei trauma,” disse ele. 

Foi então que um amigo lhe apresentou um skate, colocou Mick sentado em cima e o ensinou a andar. “Com o tempo eu fui me adaptando e hoje eu só ando assim na comunidade. Sempre tem obstáculos, tem alguns becos e vielas onde não consigo entrar, mas tenho conseguido me virar.”

Ruan foi um dos primeiros a postar vídeos mostrando a realidade da favela e a transformar isso num negócio – mas não está sozinho. 

Diversos outros influenciadores cariocas estão apostando no mesmo nicho. Gabriel Cardoso, o ‘Laudo de Cria’, tem 474 mil seguidores no Instagram; Thiago Alcântara, o ‘Break’, tem mais de 2 milhões postando vídeos sobre as comunidades, mas também sobre a vida no Rio de Janeiro; Bruno Thierry, o ‘Rocky Cria’, tem 1,2 milhões de seguidores abordando o mesmo assunto. 

Ruan já consegue viver das redes, atraindo marcas relevantes para fazer publicidade em suas páginas. O carioca já fez campanhas pontuais para gigantes como o McDonald’s, Positivo, PagBank e a Águas do Rio. 

As ‘publis’ são sempre para comunicar com o morador da favela, uma população que movimenta mais de R$ 300 bilhões por ano.

“Mas tem algumas coisas que eu não divulgo. Já recebi propostas de casas de apostas, de cassino, e não faço. Porque eu tento ser uma referência como comunicador nas favelas. Quero mostrar marcas que fazem sentido para o dia a dia dos moradores e que não prejudiquem eles,” disse Ruan. 

Um de seus sonhos é fazer uma campanha com o iFood, “porque eles geram muitos empregos para o pessoal daqui.”

“Tenho um amigo que começou a trabalhar entregando de bike, e com o dinheiro das entregas ele conseguiu comprar a moto dele.”

Ruan não comprou uma moto — mas está conseguindo mudar de vida. 

O influenciador — que vive de aluguel numa quitinete com os pais — acaba de comprar uma laje pra chamar de sua na Rocinha. No terreno de 39 metros quadrados, ele quer erguer uma casa do zero, registrando todo o processo em suas redes sociais.

“Hoje eu moro no Valão, que é onde passa o esgoto aqui da comunidade. Essa laje que eu comprei fica no Trampolim, uma região mais na parte baixa da comunidade e melhor,” disse ele. “Vai ser uma mudança de vida muito grande pra minha mãe e meu pai.”

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