Mais carentes, gordinhos e observados: pesquisa aponta o que a pandemia fez com os gatos do Brasil


Pesquisadora da UFRGS analisou comportamento de felinos no período da crise mundial de coronavírus. Gato preto.
reprodução/canva
Enquanto os humanos enfrentavam o período de confinamento na pandemia, outros habitantes de alguns lares também passavam por uma revolução silenciosa: os gatos. Durante o período de crise mundial de coronavírus, os felinos estavam absorvendo cada mudança no ambiente dentro de casa.
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Foi isso que a médica veterinária Maíra Ingrit Gestrich-Frank decidiu investigar em seu mestrado em Biologia Animal na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Apaixonada por gatos desde criança, Maíra percebeu que o isolamento social criou uma oportunidade de estudar como mudanças abruptas na rotina dos humanos impactavam a vida dos felinos domésticos.
“A carência de estudos que buscaram explorar esses aspectos nos três diferentes períodos relacionados à pandemia, me motivaram a explorar esse campo de pesquisa, buscar associações e comparar essas variáveis”, explica.
A pesquisa de Maíra analisou três períodos distintos: pré-pandemia, confinamento e pós-confinamento. O método é simples: um questionário online com 31 perguntas enviado para tutores de gatos de diversas regiões do Brasil. A ideia era entender como o ambiente e os comportamentos dos felinos haviam se transformado.
Entre os bons resultados, o chamado “escore ambiental” – uma medida da qualidade do ambiente para os gatos – melhorou significativamente. Tutores passaram a investir mais em arranhadores, brinquedos, locais elevados e áreas seguras de descanso.
“A maior presença dos tutores na residência e o maior convívio com os seus gatos parecem ser fatores que favorecem um ambiente felino mais saudável, no sentido de disponibilizar mais recursos ambientais para os seus gatos”, comenta a pesquisadora.
No entanto, com a convivência intensa, surgiram também algumas rachaduras na harmonia felina. Apesar de alguns gatos terem ficado mais carentes, outros ficaram mais agitados. Aumento de miados, mudanças no apetite, comportamentos destrutivos e lambedura excessiva também foram registrados, ainda que de forma moderada.
Gatos da veterinária Maíra Ingrit Gestrich-Frank
Arquivo Pessoal
Obesidade felina
Entre as descobertas mais curiosas do estudo está a ligação direta entre sedentarismo e obesidade felina. O estudo observa que, no período anterior à pandemia, havia um maior número de gatos com peso ideal, considerado saudável. No entanto, após o confinamento, notou-se um aumento no ganho de peso dos gatos. Ou seja, os gatos acabaram ganhando mais peso a partir do confinamento, conforme apontam os dados analisados de forma descritiva.
De acordo com Maíra, gatos que tinham acesso ao ar livre — mesmo que apenas por uma janela telada ou um “gatio” improvisado — apresentaram menor tendência ao ganho de peso. Já os que passaram o confinamento entre sofá, ração e colo tiveram mais chance de engordar.
“Uma rotina monótona pode predispor os gatos domésticos a obesidade, pois a gente observa uma correlação entre o nível de atividade física e a possibilidade de livre acesso ao meio externo, com uma redução na chance de ganho de peso nesses gatos”, expõe.
Companhia humana
Outro ponto importante da pesquisa foi a mudança no vínculo entre humanos e gatos. Muitos se tornaram mais afetuosos e brincalhões durante o confinamento, e esse comportamento permaneceu mesmo após a volta à rotina.
“A gente também observa o aumento desse comportamento de maior busca por atenção no período após o confinamento, o que pode ser um reflexo, um efeito de longo prazo”, comenta.
E se você pensa que todo gato prefere ficar sozinho, a pesquisa mostra que isso é relativo. Cada gato tem sua personalidade. Mas, em média, os que tinham companhia constante apresentaram melhor qualidade de vida do que os que passaram longas horas solitários.
“O aumento do vínculo entre humanos e gatos proporcionado por esse maior tempo de convivência pode fazer com que esse tutor se preocupe ainda mais com o gato, se preocupe em estudar e proporcionar um ambiente cada vez mais saudável e também rotina de interação positiva”, diz.
A veterinária Maíra Ingrit Gestrich-Frank tem três gatos
Arquivo Pessoal
Como melhorar a convivência com o felino
Gatos são animais que prezam pela segurança e pelo controle do ambiente, especialmente durante momentos delicados como comer, beber água ou usar a caixa de areia. Por isso, é fundamental posicionar esses itens em locais calmos, afastados de ruídos e do vaivém da casa, para evitar que o animal se sinta estressado ou ansioso.
“O aumento de comportamentos negativos de alguns gatos pode estar relacionado ao excesso da convivência humana no sentido da qualidade dessa interação e de quanto esse humano ou a família humana respeitam o espaço do gato”, explica
De acordo com a pesquisa, ter um cantinho reservado para descanso e esconderijo também ajuda o gato a se sentir protegido e mais confiante em seu território. Além disso, a previsibilidade na rotina e nas interações com os tutores é outro fator importante.
“Vão ter gatos que vão gostar mais de ficar mais tempo ainda no seu espaço, então é importante que esse gato não seja manejado, não seja retirado do seu local de descanso, não seja carregado, porque isso pode ser um fator estressor”, comenta Maíra.
O enriquecimento sensorial também deve ser considerado. Gatos costumam se interessar por estímulos visuais e auditivos, como observar a paisagem pela janela, acompanhar o movimento de um aquário ou brincar com objetos que emitem sons. Já o olfato pode ser estimulado com ervas como a catnip ou com feromônios sintéticos.
Segundo Maíra, quando possível, permitir o acesso a uma área externa protegida — como uma varanda com tela — é uma alternativa para ampliar o território do gato com segurança.
Alguns felinos também podem se adaptar ao uso de coleira e guia para passeios ao ar livre, desde que o processo seja feito com paciência, respeitando os limites de cada animal e garantindo uma experiência positiva.
Quero um gato, o que fazer?
Uma recomendação da Maíra para quem ainda não tem gatos, mas pensa em adotar, é dar preferência à adoção de dois irmãozinhos ou dois filhotes.
“Esses gatos provavelmente vão se tornar amigos e um pode fazer companhia para o outro”, comenta.
Eles tendem a realizar comportamentos em conjunto, como brincadeiras e momentos de descanso em proximidade, o que, segundo a pesquisadora, é muito positivo para o bem-estar deles.
Algumas pessoas acreditam que os gatos só são simpáticos com os humanos para obter comida
Getty Images/BBC
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