Caso Bruno Henrique: quando prints podem virar provas na Justiça?

Bruno Henrique é indiciado pela PFBruno Henrique/X

A Polícia Federal (PF) usou prints de conversas de Bruno Henrique, do Flamengo, para justificar o indiciamento do ataque por suspeita de envolvimento em um esquema de fraude em competição esportiva.

Anexar prints de conversas em relatórios se tornou uma prática comum das investigações policiais ao longo dos anos. Mas, afinal, qual o peso desses materiais para um processo criminal? Quais são as situações em que eles podem ser usados para sustentar uma denúncia?

O Portal iG conversou com Berlinque Cantelmo, advogado criminalista e sócio do RCA Advogados, para tirar essas dúvidas. De acordo com Cantelmo, o uso de mensagens de WhatsApp como prova em processos criminais tornou-se recorrente e, muitas vezes, “determinante para o desfecho das ações penais”.

Ele cita o artigo 439 do Código de Processo Penal, que reforça a ideia de que o juiz pode formar sua convicção com base na livre apreciação das provas, desde que sejam legalmente permitidas — mesmo que não estejam previstas de forma específica no Código.

“Isso legitima, em tese, o uso de prints como prova, mas não dispensa sua verificação quanto à legalidade e autenticidade. O print, por si só, possui valor indiciário e pode ser considerado prova complementar, devendo, preferencialmente, ser corroborado por outras evidências, como testemunhos, perícias ou documentos oficiais”, explica o criminalista ao iG.

Mas, qualquer print pode ser prova?

No entanto, não basta apenas esse print existir. De acordo com advogado, esses materiais exigem “um rigor técnico, cautela na forma de obtenção e atenção aos princípios constitucionais”.

De acordo com o especialista, a validade da prova digital está ligada à sua origem e à forma como foi incluída no processo. Por exemplo, quando a conversa é apresentada voluntariamente por uma das partes envolvidas, como a vítima ou o próprio investigado, ela costuma a ser aceita pela Justiça, já que não há violação à intimidade de terceiros.

No entanto, quando essa apresentação é feita por terceiros ou por meio de acesso indevido a aparelhos alheios, sem autorização judicial, a prova pode ser considerada ilícita. Isso porque ela pode ferir o sigilo das comunicações privadas, um direito previsto pela Constituição e reforçado por decisões do Supremo Tribunal Federal.

De acordo com Cantelmo, apresentar a conversa não é o suficiente. Para que a prova tenha um valor real no processo, é necessário seguir alguns critérios técnicos que garantam a sua integridade, autenticidade e confiabilidade.

“É nesse contexto que se diferencia um simples print de tela de um relatório técnico extraído por ferramentas especializadas, como o Cellebrite, por exemplo, que permite verificar a origem, data, hora e integridade dos dados apresentados”, diz o criminalista.

Contexto e teor das conversas são importantes, diz advogado

Até as conversas mais inocentes podem virar uma prova em um processo criminal. Segundo Cantelmo, até as mensagens cheias de emojis, gírias ou risadas podem revelar pontos sérios para a investigação, como ameaças sutis, intimidações ou relações de poder. 

Esse tipo de material “exige do julgador uma avaliação contextual. (…) A jurisprudência tem reconhecido que mesmo mensagens aparentemente descontraídas podem configurar ameaça ou coação, especialmente quando inseridas em um histórico de comportamentos abusivos”, diz.

Além disso, a Justiça pode usar conversas de terceiros como indício, desde que existam elementos que estabeleçam uma relação entre o acusado e o crime. “Não se admite responsabilização penal baseada exclusivamente em diálogos entre pessoas estranhas ao processo”, reforça o especialista.

E quando uma das partes contesta o conteúdo?

Se uma das partes envolvidas contesta o conteúdo dos prints, o peso da prova recai sobre a possibilidade de realizar uma perícia técnica.

“Ainda que o conteúdo tenha sido apagado de um dos aparelhos, os prints apresentados pela outra parte podem ser analisados, especialmente se aliados a ferramentas de recuperação forense ou extrações completas realizadas com observância da cadeia de custódia”, diz o criminalista.

Sem essa confirmação técnica, o print isolado perde força como prova autônoma, mesmo se acompanhado de outros materiais relacionados.

Cuidados para usar prints no processo penal

De acordo com Cantelmo, advogados e partes envolvidas precisam redobrar a atenção ao lidar com prints e outros tipos de provas digitais. “A coleta das mensagens deve preservar o contexto completo da conversa, evitando recortes que comprometam o sentido original”, orienta o especialista.

O ideal, segundo ele, é que sejam utilizados métodos que garantam a integridade da prova, como atas notariais ou extrações técnicas feitas por profissionais habilitados. É uma maneira de evitar que o material seja desqualificado no processo por suspeita de manipulação ou perda de autenticidade.

“A robustez da acusação ou da defesa dependerá sempre da articulação probatória e da concatenação entre diferentes meios de prova”, reforça. Prints isolados, ainda que impactantes, têm valor mais limitado. Na maioria das vezes, precisam ser complementados por outros elementos, como testemunhos ou laudos periciais.

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