Com quase 25 anos da carreira, Eli Iwasa está em todo lugar

Se você gosta de música eletrônica, já deve ter visto o nome dela em algum line-up. Virou até brincadeira na cena: Eli Iwasa está em todo lugar. Mas não pense que é por acaso. A DJ se apaixonou por este universo no fim dos anos 1990, na primeira vez que foi ao extinto Massivo, no bairro dos jardins, em São Paulo, um dos primeiros lugares a introduzir o techno na noite paulistana. “O clube me permitiu experimentar e viver muitas coisas pela primeira vez. Não só em relação à música, mas ao estilo de vida e à sexualidade. Foi o começo de uma transformação na minha vida e como pessoa”, conta à ELLE.

Eli virou clubber e depois promoter, em um momento em que a indústria da música eletrônica estava começando a florescer no Brasil. Aprendeu a tocar e se arriscava em after hours, até que foi chamada para se apresentar em uma festa. Tudo isso em 2001. 

Eli Iwasa.


Foto: Divulgação

De lá pra cá, quase 25 anos se passaram. Ela se mudou para Campinas (interior de São Paulo), se apresentou em festivais gigantes no Brasil, como o Rock in Rio e o Time Warp, e já fez turnê fora do país. Seu som é uma mistura de clássicos de Detroit e Chicago, techno, synthpop, EBM e house. A virada de sua carreira veio em 2017, após o fim de um casamento de 10 anos. 

No mesmo ano, ela tocou na primeira edição do DGTL no Brasil, abrindo para o alemão Patrice Baümel, um set que é lembrado até hoje. “Nunca preparo os meus sets. Neste dia, foi tudo encaixando, a pista foi enchendo… Se você ‘entrega’ em alguns eventos que têm muita visibilidade, isso acaba se desdobrando em muitas outras oportunidades. Acho também que o sucesso, para mim, veio muito tarde. Estou falando de decolar depois dos 40 anos.”

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Em Campinas, onde Eli vive até hoje, ela ajuda a criar uma cena de música eletrônica. Nos últimos anos, abriu três casas na cidade: o Caos, que completa oito anos este ano, o Club 88, mais focado em música pop e com público essencialmente LGBTQIA+, e o Gates 22, um espaço maior que comporta as grandes festas de música eletrônica, mas que também recebe shows de artistas como Pabllo Vittar e Racionais MC’s. 

Ser mulher influenciou muito na sua carreira – para o bem e, infelizmente, para o mal. “Aconteceram avanços significativos, principalmente nos últimos cinco anos, quando se fala de mercado de música eletrônica. Mas, como asiática, desde o começo entendi que teria que trabalhar muito mais. Enquanto mulher, a gente tem poucas chances de errar”, pontua Eli. 

Eli Iwasa.


Foto: Divulgação

No fim de 2024, a DJ se uniu com a empresária Priscila Prestes para criar sua própria gravadora, a Heels of Love, mais um passo importante para a sua carreira. “Meu sonho é criar um catálogo que não se prenda a modas e estilos específicos, que a gente possa ter um papel importante para divulgar o que é feito no Brasil.” A ideia é projetar nomes nacionais para um cenário global.

No próximo domingo (21.04), ela toca no palco principal do Gop Tun Festival, uma das maiores festas de música eletrônica do país. A seguir, a DJ  indica quais mulheres do line-up do evento vale ficar de olho e fala sobre representatividade na cena, sua relação com a moda e sua rotina de autocuidado em meio ao trabalho nas noites e madrugadas.

Eli Iwasa.

Eli no começo da carreira.
Foto: Divulgação

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Você começou a tocar em afters, né?

Sim. Na época, por vergonha. No after, ninguém repara. Sempre tinham muitos DJs, inclusive internacionais, nos afters que eu frequentava. Mas lá eles não querem tocar mais, querem curtir. Aí sobrava um tempinho para quem era mais amador. Em um desses rolês, um casal de amigos meus me intimou a tocar numa festa que eles produziam em São Paulo, num clube chamado Absinto. Isso foi em 2001. A música eletrônica não era o mercado bilionário que é hoje. As pessoas que estavam envolvidas faziam porque amavam muito, gostavam de música, do estilo de vida. A gente não enxergava isso como um projeto de carreira. 

Não havia esses grandes festivais no Brasil, como tem hoje…

Sim! A Gop Tun tem um pouco isso. Eles começaram como um monte de amigos fazendo umas festas em casa, superindependentes. E acho que era muito essa motivação no começo, um monte de gente apaixonada por música.  

Você tem mais de 20 anos de carreira. Como era seu som no começo e como ele mudou ao longo dos anos? 

Não vejo grandes mudanças, continuo fazendo essa mistura de estilos que passeia entre house, techno e todas as nuances desses estilos. Já toquei um som um pouco mais quebradeira, mais electro, mas gosto de pensar que não perdi essas referências de onde vim. É fundamental sempre estar atenta ao que acontece de novo e isso sempre me permitiu me reciclar, me renovar. Isso foi superimportante para chegar onde estou hoje. Muitos artistas, DJs, promoters que começaram comigo lá atrás se acomodam de alguma maneira. Se você é um artista, um DJ ou um dono de clube e se fecha para o novo, é muito perigoso. Essa minha curiosidade de sempre querer saber o que está rolando, me permitiu ainda estar ativa, empolgada e feliz com tudo que está sendo construído. 

Eli Iwasa.


Foto: Divulgação

Essa curiosidade tem a ver com o fato de você ser uma mulher asiática em um meio tão dominado por homens?

Para a mulher, é sempre mais difícil, sim. Aconteceram avanços muito significativos, principalmente nos últimos cinco anos, quando se fala de mercado de música eletrônica. Mas, como asiática, acho que desde o começo entendi que teria que trabalhar muito mais. Enquanto mulher, a gente tem poucas chances de errar. Isso me fez ter uma certa ética de trabalho que não me permito não estar conectada com tudo. Odeio me sentir na zona de conforto.

“Enquanto mulher, a gente tem poucas chances de errar”

Quando veio a virada na sua carreira? 

As pessoas falam: “Você está em todos os festivais!”. Respondo: Graças a Deus! Talvez seja uma coincidência, mas me separei aos 40, depois de uma relação de 10 anos. Vi que precisaria ressignificar e reconstruir minha vida. E isso, de alguma maneira, também me deu uma sensação e um sentimento de liberdade para simplesmente correr atrás dos meus sonhos e do que queria. Diria que teve uma virada de chave em 2017, quando comecei a entrar nos grandes festival, foi o ano do DGTL, do Dekmantel (os festivais holandeses tiveram edições no Brasil)… Nunca imaginei viver tudo isso. 

Você fez alguma mudança em seu som em 2017 que fez as pessoas reconhecerem mais seu trabalho?

Foi uma combinação de coisas, uma série de elementos que começam a se encaixar. E são coisas que não dependem tanto da gente. É timing, estar no lugar certo, entregar bons sets. O ano de 2017 foi muito isso. Eu era uma artista de pequeno-médio escalão e estava começando a entrar nos lugares. No DGTL, eu toquei num slot (horário) muito importante, antes do Patrice Bäumel, o que também era novidade para mim. Acho também que o sucesso, para mim, veio muito tarde. A gente está falando de decolar depois dos 40 anos. Realmente, tinha maturidade para lidar com isso e não me deslumbrar. Sabia que a expectativa das pessoas ia aumentar. 

Eli Iwasa.

A DJ tocando em festa no Martinelli, em São Paulo
Foto: Divulgação

Você tocou antes do Patrice, em um time slot importante. Muitas vezes, as festas colocam mulheres no line-up, mas não reservam os melhores horários para elas. Qual a importância disso em uma festa? 

Venho falando bastante sobre isso e espero que isso acabe despertando a atenção de outros produtores de eventos. As artistas brasileiras nem sempre são chamadas e raramente estão nos horários de encerramento das festas e festivais. Isso vem acontecendo com frequência para mim hoje, mas tive que lutar e brigar muito, porque não é algo natural. Quem organiza as festas precisa olhar isso com carinho, não adianta só colocar mulheres no line-up.

“Sempre faço a liçãozinha de casa, estudo a festa, o tipo de público, quem vai tocar antes e depois”

Como é sua rotina, principalmente trabalhando na noite? Como você se cuida?

Os meus dias de semana são muito regrados, não tenho mais 20 anos, então naturalmente meu corpo está cada vez mais sentindo os efeitos dos finais de semana, de não ter muito horário pra dormir, comer mal. Então, durante a semana, tenho uma rotina bem certinha. Amo acordar cedo, porque gosto de pegar a cidade em silêncio, fazer meu skincare (sou viciada!), cuidar muito da minha alimentação. Não tem milagre, quero viver muito e estar ativa para poder fazer o meu melhor. Para trabalhar à noite, precisa ter essa saúde. 

Você conta que não prepara seus sets. Como é o pré de uma festa?

Sempre faço a liçãozinha de casa, estudo a festa, o tipo de público, quem vai tocar antes e depois. Quero que a noite flua, não é sobre mim, é sobre essa construção coletiva. Tem certas características que você vai encontrar em todos os meus sets, então sempre vai ter essa referência aos clássicos de Detroit e de Chicago, o EBM e o synthpop. Mas eles variam de acordo com o horário e onde vou tocar. Set de club é muito diferente de set de festival. No club, você pode arriscar mais. Em festival, é porradaria, você tem que fazer as pessoas dançarem, então são sets mais energéticos. 

Eli Iwasa


Foto: Divulgação

Qual a diferença de tocar no Lollapalooza ou no Rock in Rio, festivais onde a grande maioria das pessoas não está lá para ver os DJs?

Sempre falo que é meio uma paquera, seduzindo as pessoas a virem para o nosso lado. Amo esses desafios, nosso trabalho é trazer esse público que não conhece música eletrônica para a nossa cena. Cada vez mais artistas eletrônicos têm tido espaço nos festivais tradicionais, isso mostra a força dentro do mercado cultural do país. Sempre penso no que a pessoa que não é do nosso rolê pode curtir.

São Paulo já passou pela fase dos clubes, das festas de rua que viraram festivais… Qual é o próximo passo, o futuro da noite da cidade?

A gente está vivendo um momento bem curioso e desafiador para quem tem clubes de pequeno e médio porte. E as festas independentes também têm sofrido com falta de patrocínio, de apoio, a gente fica meio esmagado entre os grandes eventos e as grandes organizações de entretenimento. Acredito muito que depois disso, virá aquele momento que as pessoas começam a buscar experiências mais intimistas, voltar aos clubes. Acho que, de alguma maneira, já sinto isso em São Paulo, com os rooftops e os listening bars que estão surgindo.

“Set de club é muito diferente de set de festival. No club, você pode arriscar mais. Em festival, é porradaria, você tem que fazer as pessoas dançarem, então são sets mais energéticos”

Quanto a moda é importante para você?

Moda é uma forma de expressão tão valiosa, tão importante dentro do que sou quanto a música. Na minha adolescência, era gótica, então sempre tive essa coisa visual muito forte, usava roupa de látex, plataforma e couro. Hoje, mais do que nunca, essa construção de imagem é importante. De uns anos pra cá, as mulheres estão mais confortáveis em ser elas mesmas e vestir o que quiserem. Temos uma geração de DJs que são muito engajadas com moda: a VTSS desfilando para a Diesel, a Peggy Gou, que trabalha com todas as grifes, a Nina Kraviz no desfile da Coperni. As mulheres perceberam que não precisam se vestir de moletom e camiseta larga para serem levadas a sério. 

Eli Iwasa

Eli Iwasa.
Foto: Divulgação

Você precisar ir com um look mais masculino para ser respeitada? Existiu isso em algum momento?  

Sempre existiu, especialmente na cena underground. Era como se não fosse permitido ser feminina, ser sexy ou mesmo, de alguma maneira, parecer que a gente tinha uma vida sexual. A gente tinha que ser “como um dos caras”. E acho que uma das transformações mais importantes da cena nos últimos anos é essa leva de mulheres empoderadas supertalentosas e competentes. Hoje a gente pode ter uma vida pessoal, ter filhos… Quando comecei, se você tivesse filhos, decretavam o fim da sua carreira. E hoje há DJs que compartilham essa experiência da maternidade justamente para falar que é possível. A minha geração é a primeira que está envelhecendo e continua na ativa. O meu melhor momento de carreira veio depois dos 40 anos, isso nunca existiu.

“Temos uma geração de DJs que são muito engajadas com moda: a VTSS desfilando para a Diesel, a Peggy Gou, que trabalha com todas as grifes, a Nina Kraviz no desfile da Coperni”

Quem você está mais animada para ver no Festival Gop Tun?

Vou tocar no palco principal, que está repleto de mulheres maravilhosas. Fiquei emocionada, porque é muito doido ver meu nome ali ao lado de gente que respeito tanto. Vou tocar com a (estadunidense) Avalon Emerson, ela é uma baita seletora, mas também tem técnica, produz superbem. A Suelen Mesmo, que acabou de fazer um Boiler Room, é uma das forças do underground do Brasil, misturando house, funk e afrobeat. Acho que as mulheres fazem muito bem essa mistura de estilos. Tem a Suze Ijó, que vai tocar com o Omoloko; a gente se adora. Toco várias músicas da Gabi Fischer, ela é uma mulher da nova geração de produtoras e DJs em que acredito pra caramba. 

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