Prefeito de Ribeirão Pires diz que secretário da Segurança condenado e flagrado furtando carne é inocente


Guto Volpi (PL) também enalteceu o serviço de Sandro Torres Amante: ‘Guarda municipal com 30 anos de carreira na Prefeitura e contribuições à cidade’ e disse que pretende mantê-lo no cargo. Outro GCM também foi condenado, afastado, mas segue recebendo salário. Caso foi revelado com exclusividade pelo g1 e TV Globo. Grupo que inclui secretário da Segurança de Ribeirão Pires divide mercadoria furtada
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O prefeito de Ribeirão Pires, Guto Volpi (PL), afirmou nesta quinta-feira (17) que pretende manter Sandro Torres Amante no cargo de secretário da Segurança Pública do município da Grande São Paulo.
Conforme revelado pelo g1 e pela TV Globo, Sandro foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão por furtos cometidos em açougues da cidade em 2018. Uma câmera gravou o secretário guardando o material furtado em um carro. Ele nega as acusações e diz que foram “crimes inventados” (leia mais abaixo).
Em nota publicada em seu perfil no Instagram, Guto afirmou que acredita na inocência de seu secretário e enalteceu o servidor: “Destaco aqui a trajetória do Sandro, guarda municipal com 30 anos de carreira na Prefeitura e contribuições à cidade”.
Além de Sandro, o guarda civil Gutembergue Martins Silva recebeu a mesma pena. Ele foi afastado de suas atividades, mas segue recebendo salário.
O Tribunal de Justiça também decretou a perda dos cargos públicos dos agentes. O prefeito disse que “toda e qualquer decisão da Justiça será cumprida” pelo governo.
Sandro Torres foi nomeado por Guto Volpi em dezembro de 2023, quando já figurava como réu pelo caso dos furtos.
O procurador Nadir Campos Júnior, que recorreu pela condenação do secretário, afirmou que é grave o fato de uma pessoa condenada por furto comandar a segurança da cidade.
“Não é possível que alguém acusado de colocar em risco a segurança pública seja, ao mesmo tempo, o secretário municipal, o prestador do serviço de segurança pública”, lamentou Nadir.
A decisão do Tribunal de Justiça aponta que, quando não houver mais possibilidade de recurso, os três condenados devem iniciar o cumprimento da pena, e que Sandro e Gutembergue devem perder seus cargos públicos.
Nota do prefeito de Ribeirão Pires
Reprodução
Prefeitura familiar
Guto Volpi é prefeito da cidade desde 2022, quando “herdou” a prefeitura do pai – Clóvis Volpi – que foi cassado pela Justiça Eleitoral. À época, Guto era presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Pires e assumiu a cadeira de prefeito até que uma nova eleição fosse convocada, uma vez que o vice do pai também foi cassado.
O prefeito do PL disputou o pleito em dezembro de 2022, venceu e foi reeleito em outubro de 2024.
Neste novo mandato, Guto Volpi nomeou o pai como secretário de Saúde e o irmão, Rafael Volpi, como secretário da Educação.
O pai, Clóvis Volpi, foi prefeito da cidade em outros dois mandatos, governando a cidade ininterruptamente entre 2005 e 2012.
O prefeito de Ribeirão Pires, Guto Volpi (PL), ao lado do pai, Clóvis Volpi, e da mãe, Lígia Volpi, no 1° turno da eleição de 2024.
Divulgação
MP vê milícia na GCM da cidade
Guardas civis municipais de Ribeirão Pires, cidade da Grande São Paulo, são acusados pelo Ministério Público de integrar uma milícia particular ao menos entre os anos de 2019 e 2023. Os agentes teriam se estruturado para cometer crimes como furtos e extorsões no município.
Segundo o MP, o grupo reúne todas as características do crime, como número de integrantes, organização, divisão de tarefas, uso de armamento e até conexões com empresas privadas de segurança.
A denúncia indica ao menos cinco GCMs como membros dessa milícia, sendo que um deles seria Sandro Torres Amante. Outro integrante do grupo seria Gutembergue Martins.
Ambos foram condenados por furtar R$ 28 mil e 57 kg de carne em dois açougues do município.
O documento aponta que os guardas denunciados utilizavam o conhecimento e a estrutura da Guarda Civil Municipal para encobrir e facilitar crimes.
Em algumas das ações, eles contaram com o apoio de civis e até usaram câmeras de vigilância da prefeitura para evitar que fossem flagrados.
Em depoimentos ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), testemunhas protegidas relataram que os agentes atuavam junto de empresas de segurança legalizadas:
“Os serviços de segurança oferecidos aos clientes parecem ter como função principal a obtenção de pagamentos para que os estabelecimentos comerciais não sejam vítimas da própria criminalidade do grupo, como ocorreu nos dois furtos ora denunciados”, aponta trecho da denúncia.
O MP também aponta que denunciantes apresentaram elementos de prova que ligam o secretário Sandro Torres “a outros delitos, como corrupção passiva decorrente de recebimento de propina de traficantes”.
Embora a Justiça não tenha aceitado a denúncia por milícia, as investigações relativas a esses e outros crimes continuam.
“O Ministério Público continua investigando pessoas que formaram a verdadeira milícia particular dentro da GCM. Isso fez parte da investigação do Gaeco, que apontou que o trabalho de segurança privada para o município era desvirtuado da função de segurança pública para que os membros da própria guarnição pudessem desviar o foco das câmeras para que crimes de furto pudessem ser praticados na comarca de Ribeirão Pires”, explicou o procurador Nadir Campos.
Secretário e GCM de cidade na Grande SP são condenados por furtar açougues
Medo de represálias
O g1 e a TV Globo ouviram duas pessoas que conhecem o funcionamento da guarda e decidiram denunciar a forma como a corporação vem sendo conduzida e liderada. Por medo de represálias, elas preferiram não se identificar.
De acordo com elas, parte da corporação é corrompida e age apenas por interesse próprio, deixando a segurança da cidade em segundo plano.
“Eles criam a dificuldade para vender a facilidade. De que forma? Seu comércio, sua residência é furtado e você faz o boletim de ocorrência. Sabendo disso, ele [Sandro], até porque participa dos crimes, vai até esse local e oferece serviços [de segurança privada]. Você está fragilizado e acaba aceitando”, relatou uma das pessoas.
Para o procurador Nadir de Campos Júnior, essa é, de fato, uma das estratégias do grupo:
“Me parece bem claro isso. A tática era criar dificuldades para vender facilidades, ou seja, a população, atemorizada com esses crimes praticados […], precisa da prestação do serviço de segurança, e me parece que aumentava-se, inclusive, o valor para a prestação desses serviços”.
“Está muito caracterizado que a empresa Ecam, e algumas outras pelas quais já haviam passado esses guardas civis municipais, todos eles encontraram uma situação de divisão da herança correspondente aos crimes por eles praticados”, pontuou o procurador.
Em conversa com a reportagem, umas das denunciantes relatou que já presenciou, inclusive, uma viatura da ROMU — agrupamento especial da GCM na cidade — “pegando dinheiro do tráfico de droga, soltando traficante, extorquindo comerciante para que pague pelo serviço de monitoramento da empresa e negociando valores de propina”.
A denunciante também contou que guardas são colocados para trabalhar sozinhos em postos onde há perigo iminente.
“Os estabelecimentos comerciais do Centro de Ribeirão Pires foram todos colocados numa situação de insegurança, porque o próprio prestador de serviço de segurança anunciava uma ocorrência num bairro distante, enquanto que uma outra parte desse grupo criminoso entrava nos estabelecimentos e destinavam câmaras para outro setor para poder facilitar a prática de crime”, destacou o procurador.
“Quando nós temos agentes do próprio Estado violando essas regras e quebrando compromissos feitos com um servidor público, nós colocamos a própria segurança pública em cheque, é por isso que esses crimes precisam ser devidamente recriminados nos termos e nos vigores da lei”, afirmou Nadir.
Furtos em açougues
O crime de furto de mercadorias em açougues aconteceu em junho de 2018 — à época, Sandro era subcomandante da Guarda Civil Municipal de Ribeirão, cidade que fica a cerca de 30km da capital.
Além dele, Gutembergue Martins Silva (inspetor-chefe da GCM à época) e o ajudante geral Marcelo Cruz Dallavali foram condenados pelo mesmo crime. A Justiça ainda decretou a perda dos cargos públicos de Sandro e Gutembergue. Ele segue no cargo porque a condenação está sendo analisada em terceira instância, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Segundo a denúncia do Ministério Público, na madrugada de 18 de junho de 2018, o grupo realizou dois furtos quase em sequência:
Num intervalo de poucos minutos, os acusados levaram quase 60 kg de carne e R$ 28 mil dos açougues Izzo e Parati, que ficam a cerca de 300 metros um do outro, no Centro da cidade.
Do primeiro açougue, foram levados 15kg de picanha, 10kg de contrafilé black, 12kg de alcatra, R$ 8 mil em espécie e um cofre. Do segundo, foram 20kg de carne bovina, R$ 20 mil em espécie, cheques, câmeras de vigilância, DVD do circuito de monitoramento, roteadores.
As investigações apontaram que os crimes foram planejados, ou seja, não se trataram de furtos de ocasião. De acordo com os autos, Gutembergue teria manipulado diretamente as câmeras de monitoramento da prefeitura cidade pouco antes do crime.
As câmeras foram redirecionadas propositalmente para não enquadrar os açougues.
Além disso, enquanto as câmeras eram reposicionadas e depois alteradas, uma denúncia anônima falsa foi feita para que os efetivos da GCM e da Polícia Militar se deslocassem para longe do Centro, facilitando o crime.
Ribeirão Pires faz parte do ABC Paulista e tem cerca de 115 mil moradores e uma Guarda Civil Municipal com 120 agentes, todos comandados por Sandro Torres Amante.
A TV Globo e o g1 foram falar com Sandro nesta quarta-feira (16) e ele afirmou que é inocente dos crimes e que não existe qualquer tipo de evidência da venda da segurança privada na cidade.
“Em primeira instância fui absolvido, em segundo instância, dos sete crimes que inventaram sobre mim, esse daí deu essa condenação que foi um acórdão, né? Que já foi respondido já foi o meu advogado já fez a defesa para agora para terceira Instância, né? E com fé em Deus vai ser esclarecido porque não tem nada a ver comigo. Com certeza, 30 anos de funcionário público aqui”, disse.
O prefeito, Gustavo Volpi (PL), não recebeu a equipe de reportagem.
A Prefeitura respondeu, por meio de nota, que não foi notificada sobre a condenação de Sandro. Sobre o GCM Gutembergue diz que houve ordem judicial para afastamento das funções na Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de vencimentos e sem, até o presente momento, determinação contrária (leia nota completa abaixo).
Prefeito de Ribeirão Pires e secretário da Segurança em ação dos 100 dias da gestão
Reprodução
Ribeirão Pires
Arte/g1
Câmeras flagraram os acusados
Uma das testemunhas protegidas no processo disse que, ao retornar do descanso, percebeu que algumas câmeras estavam fora de posição e as recolocou no enquadramento original, tempo suficiente para flagrar Sandro, Gutembergue e Marcelo dividindo as mercadorias furtadas.​ (veja vídeo acima)
Nos registros, é possível ver que alguns carros circulam na região dos furtos — essas imagens foram essenciais para a identificação dos acusados.
Três veículos aparecem nas filmagens:
Um Peugeot vermelho de posse e dirigido por Gutembergue;
Um Fiat 500 branco de posse e dirigido por Marcelo Cruz Dellavali;
E um Hyundai i30 preto de posse e dirigido por Sandro Torres Amante.
Logo depois dos furtos, as câmeras flagraram:
O Peugeot estacionado nas proximidades dos açougues. Pouco depois, o Fiat 500 encosta e estaciona à frente;
Sandro e Gutembergue, junto com outros, são vistos realizando a divisão das mercadorias furtadas entre os veículos;
O Peugeot e Fiat 500 saíram juntos da cena. Em seguida, o i30 dirigido por Sandro passou a acompanhar os outros dois veículos.​
Três indivíduos não identificados saíram a pé, entraram em um Fiat Siena e acompanharam o Fiat 500 até a cidade de São Paulo, conforme registrado pelo sistema de monitoramento Detecta, do governo estadual.​
A movimentação organizada reforçou para o Ministério Público o entendimento de que o grupo já atuava de forma estruturada.
Outro ponto destacado no processo é que, no dia seguinte aos crimes, Gutembergue permaneceu horas na sala de monitoramento da GCM e, supostamente, teria tentado excluir as imagens relativas à noite do furto.
Secretário da Segurança de Ribeirão Pires, na Grande SP, é condenado por furto
Reprodução
Condenação
O grupo foi condenado após o Ministério Público denunciar seis pessoas pelos crimes de furto e formação de milícia privada (leia mais abaixo).
A 1ª Vara de Ribeirão Pires entendeu que havia provas suficientes apenas para a condenação de Gutembergue. Em decisão de outubro de 2023, o juiz Daniel Adriano Araldi Martins absolveu Sandro Torres, Marcelo Dellavali e os outros quatro nomes.
No entanto, o MP, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça, recorreu e conseguiu a condenação dos outros dois denunciados.
“A materialidade e autoria dos crimes está devidamente comprovada pelo depoimento das testemunhas protegidas, pelos boletins de ocorrência, pelas imagens coletadas no dia dos fatos e pelas provas produzidas durante a instrução processual”, destacou o procurador Nadir de Campos Júnior em sua apelação.
Em janeiro deste ano, a 5ª Câmara de Direito Criminal do TJ concordou nesse sentido e afirmou que as materialidades dos furtos praticados em 18 de junho de 2018 ficaram comprovadas pelos boletins de ocorrência, pelo relatório de análise dos vídeos entregues pelas testemunhas protegidas e pelas imagens captadas pelas câmeras de monitoramento da própria prefeitura de Ribeirão Pires.
Agora, os acusados tentam reverter a decisão no Superior Tribunal de Justiça.
Nomeação para a pasta da Segurança
Ato de nomeação de Sandro Torres Amante como chefe da pasta de Segurança de Ribeirão Pires
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Secretário da Segurança de Ribeirão Pires, condenado por furto a açougues
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O que diz a Prefeitura
“Em atendimento à solicitação da TV Globo, a Prefeitura de Ribeirão Pires informa que não foi notificada pela Justiça sobre eventual condenação, em segunda instância, em processo movido contra Sandro Torres, Secretário de Segurança do município.
Sandro Torres é Guarda Civil Municipal de carreira na Prefeitura de Ribeirão Pires há 30 anos. Atuou como inspetor de policiamento padrão, chefiou a Romu (equipe ostensiva) e foi comandante da corporação.
Em relação ao GCM Gutembergue Martins Silva, a Prefeitura esclarece que houve ordem judicial para afastamento das funções na Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de vencimentos e sem, até o presente momento, determinação contrária.
A Prefeitura de Ribeirão Pires permanece à disposição para prestar informações e eventuais esclarecimentos.”
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