‘Via Sacra da periferia’: mulheres recriam passos de Jesus ao calvário refletindo sobre ‘cruzes’ carregadas por moradores de comunidades


Cada uma das cruzes que marcam as 15 estações da Via Sacra foram adaptadas no Bairro Dom Bosco, em Juiz de Fora, refletindo sobre temas – ou dores – que atingem a população periférica atualmente. Nesta sexta-feira (18), o grupo se reúne novamente para uma caminhada que marcará a ressurreição de Cristo. Comunidade recria passos de Jesus ao calvário na “Via Sacra da Periferia”
A Via Sacra é uma prática tradicional da fé cristã que representa os últimos momentos da vida de Jesus Cristo, desde a condenação até a crucificação. Mas e se essa passagem bíblica acontecesse nos dias atuais, nas periferias? Quais os obstáculos seriam enfrentados?
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Com a proposta de adaptação da passagem bíblica para contextualização de desafios sociais, a Associação dos Amigos (ABAN) fez uma releitura da trajetória de Cristo — desta vez, à luz da realidade da comunidade do Chapadão, no Bairro Dom Bosco, em Juiz de Fora.
Com este propósito, o grupo de mulheres do grupo Vida Plena criou o “Via Sacra da Periferia”.
Cada cruz, uma história
No projeto, cada grupo confeccionou uma cruz que simboliza uma das 15 estações da Via Sacra. Com madeira, tinta colorida, criatividade e muita vivência, os participantes refletiram sobre as dores que atingem a população da periferia, como uma forma de conectar fé e consciência social.
A ideia, segundo Renato Lopez, diretor-geral da ABAN, é fazer uma releitura da Bíblia a partir da vivência das mulheres periféricas.
Via Sacra da Periferia foi realizada por moradores do Bairro Dom Bosco, em Juiz de Fora
ABAN/Divulgação
“A ideia é provocá-las a perceber que não podem só sobreviver. Porque muitas vezes os desafios da periferia, as pressões que elas vivem, acabam levando a só sobreviver, por isso que é vida plena [nome do grupo]: estimular para que elas queiram mais da vida, planejem e se preparem para buscar essa vida mais plena, mais realizada, superando os desafios que muitas vezes a realidade coloca para elas”, explicou Renato.
Na última sexta-feira (11), cada cruz foi colocada na casa de um morador, e o grupo percorreu as ruas passando por cada uma, refletindo sobre o significado de cada item pintado.
Via Sacra da Periferia discutiu “dores” vividas pela população periférica em Juiz de Fora
ABAN/Divulgação
Vícios, racismo e desigualdade
Na sétima estação, que relembra a segunda queda de Jesus, as mulheres decidiram representar os vícios e as drogas, problemas que ainda hoje derrubam tantas vidas nas comunidades. Segundo a voluntária Jade Dias, a queda de Jesus representa também as quedas que vemos ao nosso redor.
“Jesus, quando cai, ele levantou. Então, ele está querendo levantar as pessoas da comunidade também. Ele fala ‘eu cai, mas levanta-te, pois estou contigo’. Se ele levantou, é possível que nós consigamos levantar”.
Moradores do Bairro Dom Bosco fizeram uma via sacra, discutindo problemas sociais, em Juiz de Fora
ABAN/Divulgação
Outro grupo abordou o subemprego e a ausência de acesso à educação como símbolo da primeira queda de Cristo. Evair Gouvea, aposentada e moradora da comunidade, lembrou que ‘sem educação, os jovens não têm chances reais de crescer”.
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Já o momento em que Jesus é pregado na cruz e morre foi representado por uma das maiores feridas da sociedade brasileira: o racismo. Para a educadora Adilsia Maria Bastos, essa é uma cruz pesada, que continua sendo carregada por homens e mulheres negros da periferia.
“A gente mora numa comunidade periférica, que aí a gente sofre muita retaliação. E o preconceito tá aí, né? Aí nós resolvemos representar, nesse momento tão doloroso, o racismo nesta cruz e o peso de ser negro no Brasil”.
Esperança como ressurreição
A última estação da Via Sacra, a ressurreição de Cristo, foi simbolizada pelos projetos sociais e pela mobilização da comunidade, que trazem esperança de um futuro melhor. Para os organizadores, esse é o recado mais importante: mesmo em meio às dores, há espaço para reconstrução e renascimento.
“Nos inspiramos em um artista espanhol chamado Cerezo Barredo que pintou várias igrejas no Mato Grosso. E ele já fazia lá essa leitura de Jesus Cristo, hoje na Amazônia, passando pelo desafio de conflito de terra, de assassinatos. Então é a mesma coisa: a ideia é pensar como é que essa paixão de Jesus Cristo é vivida hoje na comunidade e na vida dessas mulheres. O que significa cair pela primeira vez? O que significa ser condenado à morte? Quem é o Simão de Sirene que ajuda a comunidade? Quem é a Verônica que enxuga o rosto? O que é isso na comunidade?”
Nesta sexta-feira (18), o grupo se reunirá novamente para outra caminhada, a “Caminhada da vida”, pensando, a partir dos desafios vividos na cruz, o que traz vida para a periferia. “Quando a comunidade se une, ela também ressuscita. E isso mostra que a fé pode transformar realidades”, explicou Renato Lopez.
Projeto dá visibilidade a vivências periféricas em Via Sacra em Juiz de Fora
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