MEMÓRIA. Wilson Figueiredo, ícone do JB e um gentleman do jornalismo

Quando meus sócios e eu soubemos que o jornalista Wilson Figueiredo estava deixando o Jornal do Brasil em 2005, depois de mais de 40 anos de dedicação àquele veículo histórico, não tivemos dúvidas: precisávamos trazê-lo para fazer parte da nossa equipe.

Afinal, Wilson era um dos personagens que mais admirávamos na imprensa brasileira, reconhecido por sua cultura, dedicação ao ofício e extrema gentileza. Era a prova viva de que a máxima rodriguiana de que toda unanimidade é burra nem sempre é verdadeira.

Nossa decisão de convidá-lo a juntar-se à FSB não poderia ter sido mais acertada. Aquele decano da imprensa brasileira, do alto de seus então 81 anos, tornou-se uma doce e importante influência para o time da agência, tanto para os mais jovens (que o chamavam de forma respeitosa e também bem-humorada de “Seu Wilson”) quanto para os mais experientes.

Wilson virou logo a pessoa mais popular da agência, e uma referência para temas políticos, históricos e relacionados ao jornalismo. E isso não foi nenhuma surpresa. Afinal, ele havia sido uma testemunha privilegiada – como repórter, editor, editorialista e cronista – de todos os fatos que marcaram a História (com h maiúsculo mesmo) deste País desde os anos 40.

Para se ter uma ideia, Wilson cobriu o fim do Estado Novo, a esperança da Constituinte de 46, a tragédia de Vargas, o surgimento de um novo Brasil no período Juscelino, as loucuras de Jânio (dizem até que ele foi o primeiro a prever a possibilidade de renúncia do presidente), a instabilidade política dos anos Jango, os anos de chumbo da ditadura, o renascimento da democracia, as agruras da década perdida e a consolidação de nosso ainda jovem regime democrático. Nada mais, nada menos. 

Foi também da geração que modernizou a imprensa brasileira nos anos 50 e 60. Era parte do time que implementou a importante reforma gráfica e editorial que tornou o Jornal do Brasil um dos mais influentes diários do País, junto com figuras como Odylo Costa, filho, Jânio de Freitas e o artista plástico Amílcar de Castro.

Minha convivência com Wilson se desenvolveu ao longo desses últimos anos e aprofundou-se de verdade quando decidimos publicar sua biografia, uma sugestão do jornalista Ancelmo Góis. 

Junto com ele e sua eterna esposa Lourdes, tive o privilégio de acompanhar a abertura da caixa de memórias do casal, escolhendo fotos, relembrando momentos e desencavando histórias para o livro. A biografia de Wilson, E a vida continua – a trajetória profissional de Wilson Figueiredo, foi lançada no final de 2011, numa festa que marcou a noite carioca daquele ano.

Nesse período, conheci outra faceta de Wilson Figueiredo: a de escritor e poeta, que ele havia sublimado durante décadas por conta da dedicação ao jornalismo. Nascido no Espírito Santo, Wilson mudou-se jovem para Minas Gerais – ganhou do cronista Rubem Braga o apelido de “mineiro do litoral” – e viveu intensamente a vibrante cena literária da capital mineira nos anos 40 e 50.

Em Belo Horizonte, fez-se amigo de turmas diversas, como a formada por Autran Dourado, Francisco Iglésias, Octávio Mello Alvarenga e Sábato Magaldi, e aquela que definitivamente marcou a literatura mineira do século XX, liderada por Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.

Nesse período, alentado por ninguém menos do que Mário de Andrade, escreveu dois livros de poesia: Mecânica do Azul, de 1946, que contou com capa de Burle Marx e prefácio de Tristão de Athayde, e Poemas Narrativos.

Quando a pandemia chegou, todos fomos afetados de um jeito ou de outro – mas os idosos sofreram mais. Já quase centenário, Wilson não conseguiu voltar ao escritório, ainda que tenha mantido seu vínculo com a FSB. Partiu neste domingo, em casa no Leblon, junto à família, a poucos meses de completar 101 anos.

Deixou muita saudade em todos que tivemos o privilégio de conhecer e conviver com ele. Para mim, ficou também como preciosa herança a sorte de ter podido transformar um ídolo num verdadeiro amigo.

Francisco Soares Brandão é sócio-fundador da FSB Comunicação.

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