Jovens com supervisão familiar têm melhor capacidade cerebral de autocontrole, diz estudo da USP

Jovens com supervisão familiar têm melhor capacidade cerebral de autocontrole, diz estudo da USP

Estudo da USP ressalta a importância das interações familiares – do vínculo afetivo à supervisão – no desenvolvimento do autocontrole emocional e na redução da delinquência juvenil. De acordo com a pesquisa, adolescentes que percebem ter apoio emocional de suas famílias, com responsáveis que se demonstram preocupados, acompanham suas atividades e conhecem pessoas de seu círculo social, tendem a desenvolver melhor o autocontrole, reduzindo, assim, a propensão a comportamentos infracionais.

A autora da pesquisa, a psicóloga Ana Beatriz Prado Schiavone, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, explica que o autocontrole é a regulação do comportamento social. Ele está associado ao gerenciamento eficaz das emoções, de pensamentos, impulsos e comportamentos, e que essa habilidade cerebral pode ser aprendida e melhor desenvolvida no convívio com os pais ou cuidadores principais.

“O estudo mostrou que há uma relação entre o autocontrole e comportamentos infracionais, e que adolescentes mais impulsivos e com necessidade de busca por sensações – duas dimensões do autocontrole – apresentam maiores chances de cometer delitos de diversas naturezas”, afirma a pesquisadora.

A coleta de dados foi feita em 2022 e envolveu cerca de 2 mil adolescentes, entre 13 e 17 anos, dos sexos masculino, feminino e não binário, provenientes de escolas públicas e privadas de Ribeirão Preto e Sertãozinho, interior de São Paulo. A pesquisa faz parte de um estudo maior, o International Self-Reported Delinquency Study (ISRD4), um dos maiores trabalhos científicos transcultural e colaborativo do mundo, envolvendo 44 países. O trabalho deu origem ao artigo Association between self-control, parental practices and delinquent behaviors among Brazilian adolescents, tendo como primeira autora Ana Beatriz e orientação da professora Marina Rezende Bazon.

Ana Beatriz, que também defendeu mestrado sobre o mesmo tema, explica que de acordo com a literatura da área, o envolvimento em comportamentos de risco é comum durante a adolescência. 

Ele pode ser visto como um processo normativo e biologicamente orientado, devido às diferenças na maturação cerebral dos sistemas de recompensa e autorregulação. “O sistema de autorregulação, responsável pelo controle cognitivo e inibitório, amadurece mais lentamente do que o sistema de recompensa, o que torna os adolescentes mais propensos a comportamentos impulsivos e menos inclinados a considerar as consequências de suas ações”, diz.

Quando se pensa no desenvolvimento do autocontrole, a professora Marina lembra de um dado interessante sobre a questão de gênero: “Ao desmembrar o autocontrole em duas dimensões, se observou que as meninas que estavam envolvidas com atos infracionais apresentavam mais características de impulsividade do que a necessidade de busca por sensações, enquanto que os meninos apresentavam características inversas. Ou seja, eles tinham mais necessidade de busca por sensações, queriam viver mais situações de excitação e de exploração intensa do ambiente. Nas meninas, os índices de impulsividade tinham conexão com questões da vinculação familiar, no plano da proximidade e de afetos. Nos meninos, a busca por sensações tinha relação com a supervisão dos pais”.

Impulsividade e busca por sensações

Os adolescentes foram classificados em quatro grupos, com base nas duas dimensões do autocontrole – a impulsividade e a busca por sensações: Alto Autocontrole (para aqueles que tinham baixa impulsividade e baixa busca por sensações), Baixo Autocontrole (alta impulsividade e alta busca por sensações), Impulsivos (alta impulsividade e baixa busca por sensações) e Buscadores de Sensações (baixa impulsividade e alta busca por sensações). A partir dessas classificações, foi analisada a relação dos adolescentes com seus cuidadores, considerando práticas parentais como vínculos familiares e supervisão parental. Em seguida, o grupo investigou possíveis variações no envolvimento dos adolescentes com delitos, levando em conta o tipo, a frequência e a prevalência de 14 categorias de crimes como brigas, porte de armas, pichação, furto, hacking e vandalismo.

Sobre relacionamento com os pais e/ou cuidadores principais, a análise incluiu questões como “Eu me dou muito bem com meu pai (ou padrasto)”; “Eu me dou muito bem com minha mãe (ou madrasta)” e “Posso facilmente obter apoio emocional e cuidado de meus pais”, além de aspectos relacionados à supervisão parental, como “Um adulto em casa sabe onde estou quando saio”; “Um adulto em casa sabe o que estou fazendo quando saio”; “Um adulto em casa sabe com quais amigos estou quando saio” e “Um adulto em casa sabe o que faço na internet”.

Dos 1.869 adolescentes avaliados, 564 foram identificados tendo Alto Autocontrole, com maiores pontuações para ambas as dimensões, indicando também maior controle sobre comportamentos impulsivos e de busca de sensações; 378 adolescentes mostraram ter Baixo Autocontrole com pontuações mais baixas em ambas as dimensões; 452 foram caracterizados como Impulsivos; e 475 como Buscadores de Sensações.

Considerando aspectos familiares, os adolescentes do grupo Alto Autocontrole pontuaram mais alto para vínculo familiar e supervisão parental do que os outros três grupos (Baixo Autocontrole, Impulsivos e Buscadores de Sensações) e também revelaram menos envolvimento em delitos que os outros grupos. Os adolescentes com Baixo Autocontrole relataram as maiores taxas de infração, seguido pelos Buscadores de Sensações, que pontuaram mais do que Baixo Autocontrole e Impulsivos.

Quanto ao gênero, os adolescentes dos grupos de Alto Autocontrole e Impulsivos apresentaram uma menor quantidade de meninos, enquanto os Buscadores de Sensações tiveram menos meninas. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas em relação ao tipo de escola e ao poder socioeconômico dos adolescentes.

Tabela da prevalência de comportamentos infracionais no último ano de acordo com o perfil dos jovens: alto autocontrole; baixo autocontrole; impulsivos; e caçadores de sensações.
Tabela da prevalência de comportamentos infracionais no durante a vida de acordo com o perfil dos jovens

Delitos e infrações

Na amostra geral, os delitos mais comuns relatados pelos adolescentes, cometidos no último ano foram brigas de grupo (7,3%), porte de arma (5,2%), pichações (4,9%), furtos em lojas (4,0%), hacking (3,4%) e vandalismo (2,7%). Ao analisar a prevalência ao longo da vida, as infrações relatadas foram as mesmas, mas em ordem diferente: brigas de grupo (13,9%), furtos em lojas (11,0%), porte de armas (9,8%), pichações (8,0%), pirataria (6,8%) e vandalismo (6,0%).

Entre os grupos analisados, os adolescentes com Alto Autocontrole disseram ter tido envolvimento em brigas de grupo e porte de armas no último ano, além de furtos em lojas ao longo da vida. Já os Buscadores de Sensações apresentaram padrões semelhantes, com acréscimo do porte de arma entre as infrações mais frequentes ao longo da vida. Para o grupo de Baixo Autocontrole, as infrações mais recorrentes foram brigas de grupo e pichações no último ano, além do porte de armas como delito predominante ao longo da vida. Os Impulsivos, por sua vez, relataram maior incidência de brigas de grupo e furtos em lojas em ambas as medições.

Em relação às infrações mais graves do ponto de vista psicossocial, que envolvem riscos para a integridade física e/ou psicológica das vítimas, observou-se uma prevalência relativamente baixa para todos os grupos. No entanto, a prevalência dessas infrações no grupo de Baixo Autocontrole foi de 2,5 a 10,5 vezes maior em comparação ao grupo de Alto Autocontrole. Os dados incluem furto de veículos (1,9% contra 0,2%), roubo (3,2% contra 0,5%), agressão (10,1% contra 1,6%), publicação de conteúdo íntimo (3,5% contra 1,2%) e discurso de ódio on-line (5,6% contra 2,3%).

Para a professora Marina Bazon, os resultados confirmam estudos realizados em outros países e fornecem dados importantes que validam a necessidade de os pais e responsáveis assumirem o papel de supervisão dos adolescentes, tarefa que em sua opinião “é desafiadora, pois há a supervisão do mundo on-line e off-line, além de que os adolescentes estão em uma fase de mais resistência ao controle familiar”.

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