Saneamento: Por que o Brasil caminha para descumprir a meta de universalização

O Brasil deve descumprir a principal promessa feita na aprovação do Marco Legal do Saneamento: universalizar o acesso à água e à coleta do esgoto até 2033. 

Essa é a conclusão de um relatório do UBS BB depois que o banco organizou um evento sobre o assunto com empresas do setor, reguladores e investidores.

“O sentimento geral é que dificilmente vamos atingir a meta de 2033,” Giuliano Ajeje, o analista de utilities do UBS BB, disse ao Brazil Journal. “Em estados no Norte e Nordeste, é quase certo que isso não vai acontecer.”

Segundo ele, mesmo com a aprovação do Marco Legal, a “estrutura institucional e política continua frágil, fragmentada e desigual,” e ainda há uma falta de vontade política de lideranças para fazer o Marco valer. 

“Vamos pegar o Rio de Janeiro como um exemplo: pela primeira vez em décadas, todas as praias da cidade estão próprias para banho. Isso só aconteceu porque houve vontade política de mudar,” disse. 

Apesar de uma série de concessões terem sido feitas, Ajeje diz que a velocidade vista em grande parte dos estados está aquém do esperado – especialmente na estruturação dos blocos regionais exigidos por lei. 

(Pelo marco do saneamento, os estados precisam estruturar blocos regionais de municípios para viabilizar as concessões de água e esgoto. A ideia é agrupar cidades maiores, que geram receita, com cidades menores, que sozinhas não atrairiam investimentos. 

O objetivo é garantir a universalização sem deixar os municípios deficitários de fora. O problema é que a criação de grande parte desses blocos ainda está travada em discussões políticas.)

“Sem isso, a universalização não acontece,” disse. 

Para Ajeje, o saneamento é o “verdadeiro teste institucional do Brasil”. O analista diz que não adianta um Marco Legal com metas ambiciosas se a implementação ainda sofre com fragmentação, interferência política e agências reguladoras locais frágeis. 

Por isso, a conclusão do banco é que o sucesso das concessões depende menos de leis e mais da confiança das empresas na contraparte do setor público – que ainda está baixa. 

Segundo o UBS BB, um dos avanços pode vir de uma proposta legislativa que permitiria a suspensão do serviço em caso de inadimplência do setor público – o que seria “revolucionário”, mas que carece de apoio no Congresso.

Além disso, o UBS BB aponta que a tarifa social se tornou um risco sistêmico, pois o custo está recaindo sobre os prestadores. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o número de beneficiários subiu de 35 mil para 350 mil.

“Sem compensação federal (que foi vetada no Congresso), a sustentabilidade financeira está ameaçada, principalmente no Norte e Nordeste,” disse Ajeje. 

Porém, há exemplos positivos. O analista aponta que, após a concessão, a Sabesp prevê alcançar a universalização da sua atual área de concessão até 2029 – e estruturar novos blocos para cumprir a meta de 2033. 

Hoje a Sabesp atende apenas 375 dos 645 municípios do estado de São Paulo.

Outra conclusão é que diversos investidores ainda leem mal o setor. Um exemplo é a preocupação com o alto nível de alavancagem das companhias.

Segundo Ajeje, as empresas de saneamento naturalmente serão mais alavancadas do que outras empresas de utilities graças ao tamanho do investimento necessário. 

O analista compara com o setor elétrico de duas décadas atrás, quando a universalização consistia em levar energia para as áreas rurais. Já no saneamento, o problema é tanto urbano quanto rural, o que demanda mais investimento. 

“Essas empresas estão no começo do ciclo. Investem muito no início e só geram caixa mais à frente. Se você usar o mesmo critério que usa para distribuidora de energia, mata o funding,” disse.

Para completar, a reforma tributária também foi apontada como um risco relevante. Estudos debatidos no evento indicam que o novo regime pode elevar as tarifas em mais de 18%. 

“Mesmo com cláusulas de reequilíbrio nos contratos, a realidade é que a regulação ainda é muito instável. O problema não é jurídico, é estrutural,” disse o analista.

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