O que a Lego está ensinando para Zurich

O que teriam em comum a Lego e a seguradora Zurich?

À primeira vista, nada – exceto que são duas empresas europeias tradicionais, líderes em seus setores da antiga economia e hoje lutando por um lugar ao sol num mundo virado de cabeça para baixo pelas novas tecnologias. 

Mas foi no bem-sucedido turnaround da Lego – hoje uma potência do entretenimento e não apenas de brinquedos – que a Zurich, uma companhia de 150 anos, foi buscar inspiração para sua própria renovação.

Para isso, cinco anos atrás a seguradora recrutou Conny Kalcher – uma executiva com 33 anos de Lego e uma das responsáveis pela reformulação estratégica da empresa dinamarquesa – como sua chief customer officer.

Kalcher conservou com o Brazil Journal durante uma recente visita ao País.

Conny Kalcher ok

Como a sua experiência no ‘turnaround’ da Lego está influenciando na transformação da Zurich?

Em 2016, o grupo definiu a sua estratégia corporativa, que se resume a três pilares: foco no cliente, simplificação e inovação. Tudo começou com a introdução do Net Promoter Score (NPS), medindo a satisfação e a fidelidade do cliente.

Quando cheguei, fui contratada para fazer uma transformação de fato. Com base na minha experiência na Lego, criamos um escritório de atendimento ao cliente.

Demos um passo para trás e dissemos: “o NPS não vai resolver.” Precisamos identificar o que a marca representa, qual seu propósito, sua identidade visual, o que promete aos clientes.

Reformulamos a empresa para ela se tornar focada no cliente. Tivemos que redefinir padrões, introduzir novas estratégias e formas de trabalhar.

Então, antes de criar novos produtos e serviços, foi preciso compreender os consumidores e seus propósitos?

E entender o papel que desempenhamos como seguradora para nossos clientes, quais nossas propostas de valor.

Essa indústria, como todas as outras, está passando por uma disrupção. As expectativas dos clientes subitamente disparam.

As expectativas não estão mais sendo definidas dentro das fronteiras de uma indústria especificamente. As pessoas se habituaram a comprar coisas na Amazon e recebê-las no dia seguinte, baixar um filme e assisti-lo quando quiserem.

A expectativa de ter experiências desse tipo significa que não podemos ficar parados.

Reformulamos a forma como atendemos nossos clientes. Em vez de dizer ‘Todos fazem dessa maneira’ decidimos definir novos padrões de atendimento.

Um novo padrão pode ser, por exemplo, a facilidade do cliente em encontrar os detalhes de contato rapidamente. Muitas empresas preferem deixar isso escondido, dificultando o acesso.

Portanto, a transformação não será feita apenas por meio de uma métrica de satisfação, mas sim pela forma como a organização adota uma nova forma de trabalhar.

No Brasil, temos visto o impacto pelas ‘fintechs’ – elas reduziram a fricção no atendimento, é muito fácil contratar serviços.

É mais fácil se você começa digitalmente, mas se tiver legados e sistemas antigos fica mais complicado. Portanto, precisamos aprender com empresas como as fintechs, porque elas estabelecem o padrão.

Temos a ajuda da tecnologia, não precisamos substituir todos os sistemas antigos. Podemos resolver coisas com APIs. Está ficando mais fácil, mas é uma jornada um pouco mais longa para uma empresa basicamente ‘não digital’ se tornar digital.

Na nova campanha da Zurich, o foco está na Geração Z. Por quê? E como falar com esses novos consumidores?

São os nossos futuros clientes e para nós é importante que sejamos relevantes para todas as gerações. Não podemos ser relevantes apenas para as gerações mais velhas.

Precisamos conversar com esses clientes de uma maneira diferente, e termos produtos que sejam relevantes para eles.

Fazemos seguros da mesma maneira há muitos e muitos anos porque o padrão era mais ou menos o mesmo. As pessoas estudam, saem de casa, depois compra uma casa, um carro, têm filhos. Era algo muito linear.

As novas gerações não possuem esse padrão. Eles vão para a escola, depois trabalham um pouco, depois viajam, demoram para ter filhos e talvez nem se casem.

Os jovens veem o seguro de outra maneira, possuem outras necessidades, são muito orientados por causas e propósitos. Precisamos compreender esse contexto.

A Lego está em uma indústria que parecia condenada à irrelevância, com o avanço de celulares, jogos eletrônicos e redes sociais. Qual foi a estratégia para continuar relevante?

Tudo começa com o entendimento profundo dos nossos clientes, como suas necessidades estão mudando e ficar de olho nisso. Se você não fizer isso, vai acabar se tornando obsoleto.

O que aprendemos, por exemplo, foi que a janela de oportunidade da Lego estava diminuindo.

Lego é um brinquedo. Percebemos que as crianças só podiam brincar com aquele brinquedo cerca de 20 minutos a cada vez. Há essa janela ao longo do dia.

Fizemos um estudo etnográfico que acompanhou crianças, convivemos com crianças e famílias para mapear o que elas faziam durante o dia. Isso nos ajudou a deixar de ser ‘apenas’ uma empresa de brinquedos.

Descobrimos o que as crianças e suas famílias assistem na televisão, quais são as histórias com as quais estão envolvidas. Começamos a pensar em nós mesmos mais como uma empresa de mídia do que uma fabricante de brinquedos. Isso mudou a dinâmica.

As crianças podiam não querer um brinquedo com cem peças. Mas pediam aquele modelo bacana, de Star Wars, ou com histórias e personagens que tocam suas emoções.

Sem compreender como as crianças brincam e como os padrões de vida estão mudando, dificilmente você permanecerá.

O mesmo vale para seguros. Como podemos nos tornar mais relevantes à medida que a vida das pessoas muda?

Quando entrei, em 2019, sabíamos que os clientes, nas pesquisas, diziam que éramos frios e distantes. Tivemos que reprogramar a forma como nos comunicávamos e nos apresentávamos – e ainda estamos no meio dessa jornada.

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