“Vocês vão perder todo nosso dinheiro”: a treta que quase cancelou o lançamento do Xbox

Quem vê Bill Gates sorridente ao lado de The Rock durante a apresentação do Xbox na E3 de 2001 não imagina os bastidores turbulentos que quase impediram o lançamento do console. O caminho até ali foi marcado por disputas internas, decisões arriscadas e uma reunião histórica que quase decretou o fim do projeto.

Por que a Microsoft resolveu criar um console?

Em 1999, executivos da Microsoft passaram a ver a Sony como uma ameaça real ao domínio do PC. O PlayStation estava conquistando o entretenimento doméstico.

Rick Thompson, então vice-presidente de hardware, sugeriu a Bill Gates que era hora de “bloquear a Sony“. Mas como fazer isso? Foi aí que começaram as divergências dentro da própria empresa.

O conflito: duas equipes, duas visões

Internamente, duas equipes com visões opostas disputavam o controle do projeto:

Equipe DirectX

Liderada por Seamus Blackley, o “pai do Xbox”, Otto Berkes, Ted Hase e Kevin Bacchus, a aposta era a criação de um console baseado em componentes de PC e DirectX, com foco em poder gráfico e facilidade para desenvolvedores.

Além da questão do hardware, visando o poder gráfico e processamento, o time entendia que essa seria a melhor forma para incentivar os desenvolvedores, já que era um ecossistema parecido. Um produto como um console é fundamental para que os desenvolvedores comprem a sua ideia, estejam alinhados com aquilo. Portanto, facilitar a vida deles, ainda mais naquele momento, era parte essencial da estratégica de convencimento

Equipe Windows CE

Já esse time defendia um console fechado, com base no Windows CE, mais próximo da ideia de um media center doméstico, focado em conectividade e multimídia.

O cocriador do Xbox, Ed Fries, e que era o chefe da divisão de jogos da Microsoft, chegou a dizer que o projeto estava dividido entre um PC disfarçado de console, a abordagem da equipe DirectX, e algo mais similar ao Dreamcast, a Equipe Windows CE.

Gates queria que o Windows fosse o núcleo do projeto

Bill Gates

Naquele momento, a visão que Gates tinha para a Microsoft, em particular o Windows, era muito clara. O sistema era o núcleo. Tudo tinha que estar em redor dele. Portanto, num primeiro momento, a ideia de ter um console que tivesse como base o Window CE parecia lógico para ele.

Mas a equipe de hardware omitiu que o sistema operacional do Xbox não seria exatamente o Windows CE. Quando ele e Ballmer descobriram, a explosão veio.

Em março de 2000, quando mostrou o Xbox pela primeira vez ao mundo, ainda em seu protótipo em forma de X, Gates afirmou que o Xbox seria o primeiro produto de jogo em que nós (Microsoft) poderíamos realmente ganhar dinheiro. Mas nos bastidores a conversa era outra, e tensa.

prototipo

Gates, e o polêmico Steve Ballmer, que assumiu como CEO da Microsoft poucos meses antes, em janeiro, achavam que investir em games era arriscado, ainda mais com um projeto pouco relacionado ao Windows.

Para seguir com a ideia do que seria o projeto Xbox, Bill Gates e Ballmer foram literalmente enganados pela equipe.

O massacre no dia dos namorados

Nat Brown, que na época estava na equipe, lembrou que a única forma de seguir com o projeto era dizer que o Windows seria usado como sistema operacional.

Quando Gates e Ballmer descobriram que na prática não era exatamente isso, a fúria tomou conta. O momento, no dia 14 de fevereiro de 2000, ficou conhecido como O massacre no dia dos namorados. Esse dia podia ter colocado tudo a perder para o Xbox.

Gates invadiu a reunião, gritou com a equipe e expressou frustração por ter sido enganado, ele considerou que deixar o Windows em segundo plano era uma afronta a tudo que ele tinha feito na empresa. Na prática, o sistema foi um kernel altamente modificado baseado no Windows 2000. Gates também reclamou dos crescentes custos do projeto de hardware.

“Então entramos na reunião às quatro da tarde do Dia dos Namorados — o Bill entra segurando uma apresentação em PowerPoint e grita: ‘Isso é um maldito insulto a tudo que eu fiz nesta empresa!’ E foi assim que começou. Todo mundo olhou pro [diretor e designer do Xbox, J Allard], porque sabíamos que o Bill estava furioso com o lance de não usar Windows”, relembrou Fries em 2016.

Sobrou até mesmo para Blackley. No refeitório, Ballmer teria gritado com ele: “VOCÊS VÃO PERDER TODO O NOSSO DINHEIRO”.

O flerte com o cancelamento, em relação aos rumos que ele estava tomando, foram reais.

O que salvou o projeto?

Algo parecido com a estratégica que os envolvidos com o projeto PlayStation usaram para convencer a Sony de seguir em frente, mesmo após ter tomado um pé na bunda da Nintendo. Um certo apelo para o emocional.

A equipe mostrou como a Sony estava ganhando terreno. A Microsoft deixaria a empresa japonesa tomar espaço, no controle do entretenimento digital, bem diante dos seus olhos?

“Aí o Bill e o Steve se entreolham e dizem: ‘É… e a Sony?’ Então o Bill vira e fala: ‘Vou dar a vocês tudo o que pedirem.’ E o Ballmer repete a mesma coisa. Eu olho pro Robbie (que na época era líder da recém-criada divisão de jogos e entretenimento interativo), e digo: ‘Essa foi a reunião mais estranha da minha vida.’”, acrescenta Fries.

O que foi vendido para convencer os executivos não foi somente a ideia de um console, o que eles estavam mostrando ali era uma ideia de futuro da Microsoft. Ed Fries também tocou num ponto que interessava muito Gates e Ballmer: grana.

Destacou os lucros significativos que a Sony estava obtendo com o negócios de jogos, sugerindo que era um mercado altamente rentável e que a Microsoft deveria entrar.

E assim foi. Console foi lançado em 2001, com GPU MCPX3, da NVIDIA, e processador Pentium II, da Intel. Mesmo acumulando entre US$ 5 e US$ 7 bilhões em prejuízo, o projeto ganhou sobrevida e pavimentou o caminho para o sucesso que seria o Xbox 360.

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