A fantástica história de Assombroso, o sniper brasileiro

Uma rápida busca na internet sobre snipers, atiradores de elite, revela o tamanho da atração desse personagem sobre o público: mais de 100 produções cinematográficas, das mais diversas nacionalidades: russa, canadense, chinesa e até portuguesa.

O mais famoso é o Sniper Americano, filme baseado na autobiografia de Chris Kyle, que recebeu seis indicações para o Oscar em 2005. Dirigida por Clint Eastwood e com Bradley Cooper no papel principal, a fita faturou mais de meio bilhão de dólares e registrou o recorde de bilheteria para um filme de guerra até a data. E continuam rendendo muitas visualizações nos canais de streaming.

O Brasil não podia ficar de fora na lista desses heróis do tiro fatal, dedicados a complexas missões de proteção à pátria e à honra, sob grande risco pessoal, leais aos companheiros de farda, mesmo em prejuízo de suas vidas familiares.

Com o lançamento pela editora Rocco de Eu, minha arma e o alvo, a lacuna está preenchida. Os jornalistas André Moragas e Nathalia Alvitos reproduzem num texto com ritmo de ação a história de Assombroso, apelido do atirador carioca Marco Antonio de Souza, que atuou em duas missões no Haiti. (Para comprar, clique aqui.)

Preservam a narração em primeira pessoa, os termos e a linguagem coloquial usada pelos integrantes da tropa. “Miolos!”, é como eles anunciam que um alvo foi eliminado. E latem para comemorar.

O brasileiro assemelha-se ao Sniper Americano no sofrimento de um treinamento cruel, na angústia de matar outro ser humano, e por ter sido criado por um pai durão, exemplo e modelo a ser superado.

Chris Kyle, o Sniper Americano, revela seu talento ainda criança, atirando num cervo. Já o brasileiro começa com os ratos que invadiam sua casa, numa área sem infraestrutura às margens da Rodovia Rio-São Paulo.

O pai de Assombroso era zelador de um prédio de Copacabana e pedalava 190 quilômetros, do trabalho até a Zona Oeste do Rio de Janeiro, para construir a casa em que a família morava. Apesar do bom preparo físico, foi reprovado na Brigada de Paraquedistas.

Seu terceiro filho, Marco, ainda sem o apelido que ganharia no Haiti, se impôs a missão de realizar o sonho que o pai não havia alcançado.

Para isso, procurou se exceder com exercícios diários: corridas, flexões, barra e abdominais. Escalava cabos de aço para engrossar a palma da mão e encarar a prova de subir em cordas.

Conseguiu entrar na Brigada, aprendeu a saltar de paraquedas, enfrentar provas de natação. Destacou-se na resistência física e no tiro ao alvo. Queria mais: integrar o batalhão da tropa de elite do exército.

Subir mais esse degrau implica, porém, em treinamentos ainda mais duros, humilhações para tentar quebrar o espírito dos candidatos, sofrimentos insuportáveis para um ser humano normal. Técnicas aprimoradas nas guerras do Vietnã e no Oriente Médio.

Uma mostra é o que se vê nos filmes sobre os Seals americanos, que talvez por isso atraiam tanta audiência. No treinamento brasileiro, as maiores tormentas foram na Restinga da Marambaia e na Serra das Agulhas Negras. 

Junto com os outros recrutas, Assombroso ficou largado na mata sem comida nem arma para caçar. Alimentou-se de rãs e insetos.  (O que tem gosto pior é o besouro, “amargo de arder a boca”, segundo ele.)

Muitos desistiram, e um dos companheiros morreu de tanto esforço. Assombroso percebeu que teria que viver no tênue e impreciso território, entre a vida e a morte, se quisesse alcançar o gorro preto, o símbolo da caveira e o título de Comandos.

Ele conta que aprendeu a sussurrar no ouvido do “Ceifador”: “Agora não, f.d.p., volta outro dia.” Dos 200 que começaram o curso só sobraram 49.

Acertar o alvo para o Sniper muitas vezes não é o problema maior. O duro é enxergar o ser humano pela mira da luneta.  “Você vê expressões no rosto do alvo” que não veria mesmo se estivesse próximo.

“Treine num alvo com olhos,” aconselhou um atirador israelense ao brasileiro.

“Matar o semelhante é a tarefa mais difícil para o ser humano,” comenta o Sniper brasileiro. “Os olhos humanos impressionam”.  

Seu maior desafio, entretanto, não foi “derrubar”, “maçaricar”, “tombar”, “eliminar”, “arregaçar”, “neutralizar” ou “mandar pro colo do capeta” os inimigos. Não.  O maior desafio apareceu diante dele dois dias depois de chegar (pela segunda vez) a Porto Príncipe, a capital do Haiti, em 12 de janeiro de 2010.

“As coisas começaram a cair…era difícil ficar em pé”.

Em pouco tempo, uma multidão de gente desesperada, mutilada, segurando pedaços de parentes, carregando membros amputados, mortos embrulhados em lençóis ensanguentados, apareceu no portão da sua base.

“Pela primeira vez minha armas se tornaram inúteis,” relembra o brasileiro. 

“Os olhos de desespero rogavam por uma ajuda ou até uma promessa…O inferno estava ali, a morte nos encarando e nos desafiando nos corpos despedaçados que usavam as últimas energias para estender as mãos em nossa direção,” descreve.

Um dos pedintes que se aproximou dos militares estava decidido a não sair da frente do comboio. Dizia que a mulher estava viva, soterrada há três dias. Marco Antônio, o Assombroso, foi checar.

Enfiou o braço numa abertura dos destroços e logo a mão de uma mulher o agarrou. E não queria mais largar. Só soltou uma vez para o médico checar seus sinais vitais. Foram seis horas de trabalho com os bombeiros do Rio de Janeiro – deslocados para ajudar nos resgates – até retirar a mulher.

Jean Baptiste Mimose, enfermeira, contou dias depois a história de seu resgate, registrada por uma equipe da Globo. Durante os três dias em que ficou embaixo dos escombros, cantou e rezou. Deus lhe disse em sonhos que mandaria alguém para salvá-la. “Foi ele”, apontou ela para o sniper brasileiro.

“Já fez valer a minha vinda à terra,” Assombroso declara no livro.

O brasileiro teve mais sorte que o Sniper Americano, morto um ano depois de se aposentar por um veterano de guerra que tentava ajudar. Aos 60 anos, Assombroso mora em Jacarepaguá, com a mulher e um filho, frequenta uma igreja e corre de 10 a 12 quilômetros por dia para manter a forma.

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