Thelma Krug: “A COP 30 não pode ser apenas a ‘COP das florestas’”

“A COP 30 vai ser uma ‘COP na floresta’ mas não pode ser apenas uma ‘COP das florestas’”. Com essas palavras a cientista Thelma Krug, primeira conferencista da Reunião Magna da ABC 2025, demonstrou sua preocupação para que a COP que se aproxima, em Belém, não se esquive de abordar aquele que é o principal motor do aquecimento do planeta, os combustíveis fósseis. “Somente na última COP, em Baku, conseguimos falar em ‘redução gradual’, mas não em ‘eliminação gradual’”, criticou.

Krug é pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Em sua fala, ela lembrou que as crises climáticas e da biodiversidade estão intimamente ligadas, e na Amazônia está uma das faces mais importantes dessa crise. “Demorou muito tempo para que a biodiversidade entrasse na conferência do clima, que sempre foi centrada no carbono. Mas o último relatório o IPCC já mostrou que, dado um aumento de 1.5°C, essa perda de espécies vai de 50 a 75% na Amazônia. Dado um aquecimento de 2°C, chegaríamos perigosamente próximo da extinção total da floresta”, alertou.

Em 2024, o planeta ultrapassou pela primeira vez a média de 1.5°C acima do período pré-revolução industrial, mas, segundo Krug, isso não significa que tudo já está perdido. “Não foi uma ultrapassagem permanente. Foi um ano atípico, mas a nossa janela de ação está cada vez menor”, explicou a cientista, que foi enfática: “só conseguiremos limitar o aquecimento se aumentarmos enormemente nossas ambições de redução de emissões”.

O Brasil é um país atípico no cenário ambiental. A maior parte de suas emissões se dão não pela queima de fósseis, mas pelo desmatamento, que elimina uma valiosa reserva de carbono da Terra; e pela pecuária, emissora de toneladas de gás metano que, ao lado do carbono, são dois dos vilões dessa história. “Primeiro desafio, acabar com o desmatamento, legal ou ilegal. Segundo desafio, manter isso como uma estratégia de Estado”, listou Krug. “Sabemos como é difícil e sentimos isso na pele no governo anterior, quando houve uma verdadeira ‘legalização’ dos ilícitos”, lembrou.

Thelma Krug, 1ª conferencista magna da #RM2025 (Foto: Marcos André Pinto)

O Brasil já conseguiu resultados notáveis na área ambiental. O país mantém a maior série histórica do mundo no monitoramento de suas florestas e, entre 2004 e 2012, conseguiu reduzir em 80% o desmatamento anual. Mas desde então esses esforços têm sido vacilantes. “O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi um sucesso, mas desde 2013 perdeu força. A passagem da Casa Civil para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) fez com que perdesse centralidade e articulação. Foi terminado em 2019”, lembrou a palestrante.

O PPCDAm tinha quatro eixos de ação: fomento a atividades sustentáveis; monitoramento e fiscalização; ordenamento fundiário e territorial; e instrumentos normativos e econômicos voltados à redução do desmatamento. “Destes, a fiscalização é a que tem maior efeito. É ir atrás e destruir o material encontrado, já que o desmatador vai embora muito antes. Essas operações envolvem as polícias e custam caríssimo. Temos regras boas para a aplicação de multas, mas estas são muito baixas. Isso incentiva o proprietário a desmatar mesmo sendo penalizado. O número de multas que de fato chegam a ser pagas é extremamente pequeno”, afirmou Krug.

O Brasil é um dos países que mais têm a perder com as mudanças climáticas. Todas as projeções do IPCC mostram cenários de maior aquecimento relativo no Norte e Centro-Oeste, com maiores períodos de estiagem. “A gente alerta o agro, mas ele parece não dar ouvidos”, diz a pesquisadora. “As projeções já mostravam também um aumento nas chuvas no Sudeste e Sul, muito antes da tragédia no RS”, complementa.

A COP 29 falhou em convencer os países, principalmente os mais ricos, a investir na magnitude necessária para enfrentar o problema, e a cientista teme que essas mesmas nações estejam ainda menos dispostas na COP 30. Mesmo assim, o Brasil ainda deve tentar liderar em algumas ações, como o Tropical Forest Finance Facility (TFFF), apresentado pelo país na COP28, que paga por cada hectare de vegetação em pé e penaliza por cada hectare desmatado. Outra frente que o país deve tentar emplacar na COP 30 é o incentivo a uma estruturação mais robusta do mercado de carbono.

“A ciência é dinâmica e já houveram projeções que não se concretizaram. O futuro da Amazonia é incerto porque depende do que faremos a partir de agora. Mas, mesmo que façamos muito, ainda devemos pagar o preço pelo que já emitimos”, finalizou Krug.

Assista à palestra a partir do minuto 33 no vídeo:

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