Eduardo Brondízio: Agroflorestas ainda são invisíveis para o Brasil

O açaí é uma planta símbolo da Amazônia que, nas últimas décadas, ganhou o paladar do brasileiro e o mercado internacional. Sua produção é feita por entre as árvores, mantendo a floresta em pé no modelo conhecido como agrofloresta, e representa uma alternativa concreta e viável para um desenvolvimento mais sustentável para a região. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 90% da produção é feita por populações ribeirinhas, mas estes mesmos produtores, altamente especializados, ainda são invisíveis para os satélites, que não conseguem identificá-los por baixo das árvores, e para o poder público, que não oferece os incentivos e a infraestrutura das quais dispõem outras atividades muito mais danosas para a floresta.

“A expansão das agroflorestas de açaí pelos ribeirinhos se deu sem incentivos ou políticas públicas, respondendo a uma demanda da urbanização local recente. Mas esses mesmos produtores ainda são invisíveis, ainda são chamados de ‘extrativistas’, por não sabermos lidar com algo novo. Precisamos colocá-los no lugar central que eles de fato ocupam”, defendeu o antropólogo Eduardo Brondízio, vencedor do Prêmio Tyler 2025, considerado o “Nobel da Ecologia”, durante a segunda conferência da Reunião Magna da ABC. Brondízio é professor da Universidade de Indiana, EUA, e dedicou sua carreira ao trabalho junto às populações tradicionais da Amazônia, mostrando o valor inestimável que esses grupos tem para a conservação.

O açaí é exemplo do que hoje chamamos de bioeconomia, um sistema de produção de valor capaz de gerar renda e bem-estar para as populações locais ao mesmo tempo em que protege a Amazônia. Mas embora possa ser uma solução, o país não fornece os incentivos necessários, seja por crédito ou por infraestrutura pública, para que cada vez mais as pessoas escolham essa atividade econômica. “Há uma incongruência na forma como lidamos com as agroflorestas. Embora haja um alto benefício social para as comunidades e um alto benefício ecológico, o retorno econômico ainda é baixo e desafia a entrada de jovens nesse sistema”, explicou o palestrante.

Viabilizar econômica e logisticamente as atividades que não agridem o ambiente é o grande desafio do Brasil para conseguir um futuro sustentável. Por muito tempo, a imagem da Amazônia intocada escondeu aqueles que atuam no manejo do bioma e contribuiu para uma visão extrativista. Com a redemocratização, pela primeira vez o Brasil conseguiu criar uma política bem-sucedida para a proteção ambiental e o reconhecimento das terras e direitos dos povos tradicionais. “Mas isso aconteceu paralelamente à outras políticas completamente contraditórias de estimulo ao avanço da agropecuária. Parte do desafio é reconciliar 40 anos de políticas conflitantes e reconhecer que um sistema que funcionou muito bem hoje já não consegue lidar com a natureza do problema que se desenvolveu”, afirmou Brodízio.

Eduardo Brondízio (Foto: Marcos André Pinto)

A Amazônia mudou nessas décadas, se tornando a nova fronteira de migração interna no Brasil. Suas capitais estão entre as que mais cresceram no Censo de 2022 e, sobretudo em Manaus e Belém, já é possível enxergar algumas das consequências conhecidas desse rápido fluxo populacional. Nas duas capitais, mais da metade da população hoje vive em favelas, com problemas graves de infraestrutura, sobretudo no saneamento básico, o que é gravíssimo numa região acostumada a cheias e secas.

Outra mudança é uma maior integração entre as cidades. “Houve uma articulação de um sistema que era até recentemente desarticulado, cidades e metrópoles regionais não estavam conectadas entre si. Hoje a realidade é a de redes interurbanas e o futuro da região está sendo ditado pela arquitetura de conexão das áreas urbanas. Cidades desenham o espaço de expansão sobre a floresta”, definiu Brondízio.

É dentro desse contexto que se insere outro fenômeno recente preocupante, a expansão das economias ilegais e do crime organizado, que na região se emaranham com os mais “tradicionais” crimes da madeira e do garimpo ilegal. Essas redes constroem relações com os grandes cartéis internacionais que acabam misturando o tráfico de drogas com o de produtos naturais, como os peixes. “Hoje a Amazônia é a região mais violenta do Brasil, com uma taxa de homicídios anuais 40% maior do que no resto do país”, lembrou o pesquisador.

Esse processo turva as fronteiras entre o legal e o ilegal e faz com que grande parte da economia gire paralelamente à capacidade dos municípios de cobrar imposto. “Os municípios veem passar por si cadeias milionárias das quais eles não conseguem captar recursos. Isso cria uma contradição, onde os municípios são encarregados de prover os serviços e a infraestrutura para a expansão, mas com orçamentos cada vez maior enxutos”.

Os municípios também estão à margem das políticas ambientais. As iniciativas de sucesso implementadas pelo Brasil nas últimas décadas foram federais, vieram de cima para baixo. Há uma forte correlação entre os municípios localizados na fronteira agrícola e o voto menos alinhado às questões ambientais. Para o palestrante, essa é uma contradição que não pode impedir uma maior participação das governanças locais. “Não é o caso de excluí-los, mas de retornar a uma política de lei e ordem que se aplique. Há um buraco entre a implementação das leis e sua aplicação, mas isso não pode servir de desculpa para não trazermos os municípios para essa conversa”, defendeu.

Assista à conferência a partir do minuto 9 do vídeo abaixo:

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