5 motivos para você matar o seu produto (sim, é sério)

Homem estressado sentado em frente ao computador com as mãos no rosto(Foto: Canva)
Homem estressado (Foto: Canva)

De São Francisco, Califórnia* – Falar sobre lançamento de produtos é fácil. Difícil mesmo é encarar conversas honestas sobre a hora de deixá-los para trás. “Fala-se muito sobre lançamentos de produtos, mas quase nada sobre os ‘deslançamentos’”, afirmou Subham Agarwal, diretora de produto da fintech Ramp, no palco do Config 2025.

“Em 2013, eles encerraram um dos meus produtos favoritos, o Google Reader”, desabafou Subham. Para ela, a ferramenta era uma maneira fácil de acompanhar os temas que mais lhe interessavam e se conectar com pessoas que compartilhavam dos mesmos interesses. “Na época, eu tinha 20 anos e não conseguia entender como algo tão bom e tão querido podia simplesmente desaparecer. Fiquei muito irritada, e não estava sozinha.”

Com o passar dos anos, ela viu a situação se repetir inúmeras vezes: grandes empresas como Apple, Google, Amazon e Microsoft estavam por trás da criação – e também do fim – dessas ferramentas. “Eu não conseguia entender o que levava essas companhias a começarem algo e depois decidirem encerrá-lo – até que eu mesma criei um produto que não chegou a lugar nenhum”, contou.

O caso em questão é o Flex, solução da Ramp que foi descontinuada no início deste ano. “A ideia era boa: sempre que o usuário precisasse de mais tempo para quitar uma fatura, bastava clicar e escolher até quando queria adiar, mediante o pagamento de uma taxa, e a Ramp cuidava do resto. Além de repensarmos como as empresas realizavam compras, queríamos fazer uma grande mudança no mercado de crédito”, explicou Subham.

Segundo a diretora, o feedback foi positivo. “As empresas que usavam o produto demonstravam grande carinho, e o engajamento estava indo às alturas. No entanto, decidimos encerrar a ferramenta no início deste ano”.

A questão é que encerrar um produto não significa, necessariamente, que ele foi mal executado. Pelo contrário: às vezes, mesmo soluções bem construídas, elogiadas pelos clientes e que geraram algum nível de resultado também chegam ao fim. Mas, claro, há casos em que o produto foi mal executado mesmo, e é importante reconhecer isso.

A executiva destacou os cinco principais motivos que justificam descontinuar um produto, ilustrados com cases reais do mercado. Confira a seguir:

5 razões para empresas matarem seus produtos:

1. Seu produto nunca decola de verdade

Nem toda boa ideia vira um sucesso. O Amazon Restaurants, por exemplo, foi a tentativa da gigante do varejo de entrar no mercado de delivery, e foi rapidamente encerrado. A razão, segundo a executiva, é simples: “Seu produto nunca chega a decolar. Ele simplesmente não engrena.” Se os números não melhoram com o tempo, insistir pode significar apenas desperdício de recursos.

2. O unit economics não fecha

Alguns produtos encantam os usuários, mas destroem os resultados financeiros da empresa. O exemplo citado por Subham foi o MoviePass, que, por uma assinatura de US$ 10 mensais, permitia que o cliente assistisse a quantos filmes quisesse no cinema. “Era uma oferta tão boa que nunca parou de dar prejuízo”, disse, em tom irônico. Ou seja: por mais amado que fosse, o produto simplesmente não se sustentava.

3. O produto entra em conflito com a estratégia da empresa

Mesmo que o produto tenha boa adoção e gere receita, ele pode não estar mais alinhado com a direção que a empresa deseja seguir. “Se ele é incompatível com a trajetória, a estratégia e a visão do negócio, provavelmente está na hora de deixá-lo ir.”

Um bom exemplo é o Netflix DVD. Em 2023, a empresa encerrou seu serviço de aluguel e entrega de DVDs pelo correio, marcando o fim de 25 anos de operação nos Estados Unidos. A decisão veio 16 anos após a Netflix iniciar sua transição gradual para o streaming, que acabou se tornando o foco principal do negócio. Às vezes, o contexto muda, e o que fazia sentido no passado já não se encaixa mais.

4. A tecnologia ficou defasada

O rápido avanço tecnológico pode tornar produtos obsoletos. A executiva da Ramp citou o caso do Zune, tocador de música da Microsoft que perdeu relevância com a ascensão de smartphones mais potentes e serviços de streaming integrados.

5. Menos é mais

Em alguns casos, a complexidade operacional é maior do que o retorno gerado. “Ter menos produtos, porém mais bem mantidos, geralmente oferece uma experiência muito melhor para os usuários do que um ecossistema robusto com várias ferramentas que fazem a mesma coisa e só servem para confundir todo mundo”, afirmou Subham. É o caso do Google Hangouts, que foi substituído pelo Google Chat, que pode ser acessado diretamente do Gmail.

A quinta razão, portanto, é quando a empresa entende que menos é mais e opta por retornar aos princípios de design originais que orientaram a criação de seus produtos desde o início.

Subham Agarwal, diretora de produto da Ramp
Subham Agarwal, diretora de produto da Ramp (Foto: Reprodução/Figma YouTube)

O que fazer quando o fim parece inevitável

Reconhecer que a vida de um produto pode ter chegado ao fim é desafiador. Pensando nisso, a diretora de produto da Ramp criou um framework simples, chamado RADAR, como um passo a passo para ajudar empresas de todos os níveis e segmentos a tomar essa decisão com mais clareza:

R de Read (Ler)

Comece observando os sinais: dados de uso, feedback dos clientes, insights da equipe de vendas, métricas de receita e impacto. “Tudo que não estiver alinhado com as hipóteses que você tinha no início deve acender um alerta”, pontuou Subham. Ela ressalta que os produtos raramente fracassam em silêncio. “Quase sempre há sinais, se você souber onde procurar.”

No caso da Ramp, embora o Flex tivesse usuários fiéis, a solução começou a ficar para trás em relação ao restante do ecossistema da empresa, e esse foi o primeiro sinal de alerta.

A de Assess (Avaliar)

À medida que esses sinais aparecem, é importante mapeá-los e cruzar os dados com o impacto gerado para o cliente e o negócio. Um produto com alto valor para ambos merece ser priorizado. Mas, se o impacto é baixo ou inconsistente, o alerta fica mais forte e, provavelmente, está na hora de considerar sua descontinuação.

Subham reconhece que a decisão nem sempre é tão simples. “E quando os sinais são mistos e as avaliações se contradizem? Como entender de fato o que está acontecendo?”, questionou. No caso do Flex, o produto tinha feedbacks positivos, alta retenção e baixa demanda por suporte. Por outro lado, o produto não estava alinhado com a estratégia de venda ou distribuição da startup. “Em outras palavras, não conseguíamos escalá-lo sem assumir riscos muito maiores e um impacto operacional significativo”, explicou.

D de Decide (Decidir)

Depois de ler e avaliar os sinais, chega o momento da decisão: iterar, pausar ou encerrar o produto. “Cerca de 18 meses após o lançamento do Flex, já estávamos percebendo os primeiros sinais de alerta. Optamos por iterar, acreditando que adicionar uma nova funcionalidade seria a solução. Seis meses depois, estávamos exatamente no mesmo ponto. Então, decidimos colocar o produto em modo de manutenção e esperar. Seis meses depois, a história se repetiu”, contou Subham.

O principal aprendizado foi evitar tomar decisões importantes com base em uma lista interminável de prós e contras. “Muitas vezes, as melhores decisões não vêm de analisar cada detalhe minuciosamente. Foque na premissa mais crítica e aja com convicção. Para nós, a pergunta foi: estamos insistindo nisso por inércia ou por ambição? Será que esse produto pode crescer exponencialmente? E será que é aqui que devemos investir nossa energia? Naquele mês, decidimos encerrar o Flex.”

A de Act (Agir)

Se a decisão for descontinuar um produto, faça isso com firmeza e compaixão. O ponto central, segundo Subham, é a comunicação interna e externa. “Comunique a decisão com clareza para o time que se dedicou no desenvolvimento daquela solução. Depois, fale com os usuários, que confiaram em você e investiram seu tempo e dinheiro”, afirmou.

Na Ramp, esse processo começou dentro de casa. “Fomos honestos com a equipe. Explicamos os motivos, mas também celebramos as conquistas. Havia muito do que se orgulhar: fizemos uma aposta, trabalhamos duro e aprendemos no caminho. Além disso, falamos abertamente sobre os erros, porque eles fazem parte do processo de evolução”, relatou.

Com os usuários e parceiros externos, a abordagem foi a mesma: comunicação clara, aviso com antecedência, explicação transparente, tempo para adaptação e alternativas viáveis. Ainda assim, Subham reconhece que, por mais bem feito que seja o processo, sempre haverá quem fique insatisfeito – e tudo bem, isso também faz parte.

R de Review (Revisar)

Por fim, olhe para trás, aprenda com o processo e utilize os ensinamentos como base na próxima vez. “Agora, sempre que pensamos em lançar um novo produto, essa experiência vem à tona e nos faz refletir antes de seguir adiante”, concluiu a diretora da Ramp.

*A jornalista viajou a convite da Figma

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