Mãe do Complexo do Alemão, no Rio, distribui fones com abafadores para que crianças não escutem sons dos tiros


As trocas de tiros entre bandidos e policiais são uma rotina assustadora e ruidosa em muitas comunidades do Rio de Janeiro. Em um mundo ideal, cidadãos não seriam obrigados a viver no fogo cruzado de bandidos e policiais. Mas, no mundo real, as trocas de tiros são uma rotina assustadora e ruidosa em muitas comunidades do Rio de Janeiro.
Chico Regueira, repórter: Como é a rotina de uma mãe e dos filhos quando começa o tiroteio dentro de uma favela?
Thais Rodrigues, mãe do Kauã: É muito complicado, desesperador.
Jéssica Marques Melo, mãe do Davi e do Emanuel: Na hora que começa, ele até fala “pou pou”. “Mamãe, eu estou com medo”, aí eu vou e pego ele.
“O som do tiro parece ser dentro de casa, mas não é não. Com o eco que faz, as crianças ficam com medo”, conta o educador Matheus Lopes de Oliveira.
“Fica tremendo muito e chorando às vezes. Porque é um dia muito difícil para todo mundo”, diz Paola Gonçalves, irmã do Miguel.
Mãe do Complexo do Alemão, no Rio, distribui fones com abafadores para que crianças não escutem sons dos tiros
Jornal Nacional/ Reprodução
Os sons dos tiros geram traumas e atrasos no desenvolvimento das crianças que vivem em favelas. Entre as atípicas, com Transtorno do Espectro Autista, por exemplo, a situação é mais grave. Elas têm hipersensibilidade auditiva.
Para tentar diminuir os impactos da violência urbana na vida de todas as crianças, uma mãe do Complexo do Alemão está distribuindo fones com abafadores acústicos de alto poder de isolamento. A ideia é que elas, pelo menos, não escutem os sons dos tiros.
“Eu via a minha filha Maria tendo que ficar reclusa dentro de um quarto, com aqueles ventiladores antigos muito barulhentos, mais o ar-condicionado ligado para a gente tentar diminuir os sons da guerra. Tanto com as operações policiais, tanto com as guerras entre facções e tanto com bailes funks com sons muito altos. Eu comecei a botar força para conseguir doações desses abafadores para crianças de periferias e de favelas”, conta Rafaela França, fundadora do Núcleo de Estimulação Estrela de Maria.
Mãe do Complexo do Alemão, no Rio, distribui fones com abafadores para que crianças não escutem sons dos tiros
Jornal Nacional/ Reprodução
Repórter: Você observa retrocesso no comportamento deles quando acontecem os tiroteios?
Luara de Freitas, mãe da Lys: Sim. Ele fica se tremendo e ela fica calada, não quer brincar.
O neurocirurgião Pedro Pierro é médico voluntário e acompanha as crianças no projeto:
“A gente chega a perder meses de evolução. Porque, uma vez que houve esse desequilíbrio, muitas vezes tem que aumentar a medicação, parar a terapia. Quer dizer, tem um atraso no desenvolvimento e, muitas vezes, até um retrocesso”, explica o neurocirurgião Pedro Pierro.
“Não pode ser comum. É uma violação de direito dessas crianças. O abafador deveria ser para sons normais. Quando eles forem usar um transporte público, em uma conversa de adultos, em uma festa. Não para sons de guerra”, afirma Rafaela França.
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