Perfume Genius lança Glory e fala sobre vulnerabilidade, colaborações e reencontro com o Brasil

Depois de mais de dez anos longe dos palcos brasileiros, o artista estadunidense Mike Hadreas – mais conhecido como Perfume Genius – volta ao país para uma apresentação no festival C6, em São Paulo, no dia 24 de maio. O show acontece durante a turnê de Glory, seu sétimo álbum de estúdio, lançado em março pela Matador Records. Produzido por Blake Mills e construído em colaboração com músicos de sua banda e com o marido Alan Wyffels, o disco marca um novo momento criativo: mais aberto, direto e coletivo.

Perfume Genius

Perfume Genius.
Divulgação

leia mais
Josyara, Perfume Genius e outros lançamentos de música

Parcialmente escrito durante a pandemia e lançado em meio a um contexto de instabilidade emocional e política, Glory trata de temas recorrentes em sua obra – como amor, insegurança e perda -, de maneira mais direta e conectada ao agora. “É difícil manter alguma luz diante de tudo o que está acontecendo, interna e externamente”, diz Hadreas, que transforma essa tensão em canções ora doces, ora sombrias, mas sempre humanas. A seguir, ele fala sobre o novo repertório, as colaborações criativas e o reencontro com o público brasileiro.

Seu novo álbum, Glory, foi descrito como seu trabalho mais colaborativo até agora. Como foi esse processo criativo?

A banda que toca no disco está comigo há cinco anos em turnê, o Blake já produziu quatro álbuns meus e o Alan, meu marido, está comigo em todos eles. Mas, dessa vez, entrei no estúdio só com piano e voz, o que não é o meu padrão. Em casa, costumo fazer demos mais elaboradas, com camadas, ideias de sintetizadores, vocais etc. Aqui levei apenas a estrutura básica para construir tudo em conjunto. Como muitas músicas falam sobre dificuldades de comunicação, sobre me abrir, me expor; fazia sentido que o processo também fosse uma troca. Isso trouxe uma camada a mais para essas canções porque elas são minhas, mas feitas para o outro também. Quando você compartilha um disco, ele deixa de ser só seu.

Em faixas como “Clean Heart” e “It’s a Mirror”, você fala sobre tempo, cura e isolamento. Em que momento da sua vida esse álbum nasceu?

Teve um período em que eu simplesmente não conseguia escrever. Mesmo assim, estava trabalhando, meio que esvaziando o que tinha feito antes, porque não quero me repetir. E essas músicas surgiram de forma muito direta, como uma explosão. Elas são sobre o agora, sobre como estou me sentindo neste momento. Pensei demais por muito tempo, tentando resolver tudo com a cabeça, e percebi que não funcionava. As músicas não trouxeram exatamente uma solução, mas trouxeram um caminho, uma maneira de seguir em frente.

Perfume Genius Glory Promo 62

Perfume Genius.
Divulgação

Tem alguma faixa que se revelou mais pessoal ou surpreendente para você?

Todas são, mas “It’s a Mirror” carrega a essência do disco inteiro. E a última música, “Glory”, me faz chorar – é doce, esperançosa, delicada, meio de outro mundo, mas muito real. Nos últimos anos, tenho vivido com muito medo de perder o que amo. Medo da morte do meu companheiro, do meu cachorro… Tudo parece frágil. E isso está por toda parte, então criar algo que tenha luz, sem ignorar a realidade, foi importante. É incluir tudo, sem fingir que não está acontecendo.

Temas como amor, medo e decadência sempre estiveram no seu trabalho. O que mudou na maneira de abordar essas questões?

No primeiro disco, eu olhava para o passado, eram como entradas de diário transformadas em música. Nos álbuns seguintes, comecei a projetar para o futuro: o que eu queria ser, o que eu poderia fazer. Às vezes de forma agressiva, rebelde, ou até numa realidade paralela, quase sobrenatural. Era tudo muito importante para mim. Mas Glory é mais pé no chão. Ainda tem drama, eu adoro drama, mas agora ele vem depois de uma base mais concreta, mais próxima da minha vida real.

Olhando para sua discografia como um todo, existe um fio condutor que une todos os álbuns?

Acho que só vou entender isso de verdade quando for bem velho. E talvez seja melhor assim, porque, se eu descobrisse agora, talvez parasse (risos). Mas talvez seja isso: estou sempre tentando entender como estar aqui, ou em qualquer outro lugar, de forma conectada, mesmo em meio ao caos. Como continuar mesmo com medo, como seguir com graça, aceitação, raiva e tudo misturado.

Perfume Genius Glory Promo 33

Perfume Genius.
Divulgação

Você sempre foi muito envolvido na direção criativa dos clipes e capas. O que inspira esse lado visual do seu trabalho?

Dessa vez, pensei muito em cenas de filmes. Não queria que os vídeos parecessem com essas cenas, mas que tivessem a mesma energia, a mesma dinâmica emocional. Trabalhar com o Cody (Critcheloe) foi perfeito, porque ele entende essa mistura de sentimentos. Ele gosta de quando algo é engraçado e triste, assustador e esperançoso, estúpido e sério, tudo ao mesmo tempo. É difícil encontrar alguém que entenda isso sem cair no exagero ou na autoparódia, mas conseguimos. Estou muito orgulhoso de tudo: os vídeos, a capa, os detalhes pessoais como a Coca-cola diet, uma pintura minha, coisas bobas, coisas profundas. Parece a vida real: um caos significativo.

E sobre a colaboração com a Aldous Harding em “No Front Teeth”? Como surgiu?

A gente se conheceu em uma turnê na Austrália, há mais de dez anos, e ficamos amigos. Eu ouço os discos dela do início ao fim, várias vezes. Isso é raro, ainda mais com alguém que eu conheço pessoalmente. Quando escrevi essa música, já ouvia a voz dela no refrão. E ela é uma freak, no melhor sentido, como o Cody. Eu sabia que ela entenderia o que a faixa precisava e a voz dela tem algo que distorce o tempo, é hipnotizante.

Perfume Genius Glory Promo 55

Perfume Genius.
Divulgação

leia mais
ELLE View: mulheres na música

Você se apresenta no festival C6, em São Paulo, no dia 24 de maio. Está animado?

Muito! Faz tempo que não toco aí, desde 2013, na verdade. Como é um festival, o show é mais condensado, mas tentei montar um set com tudo o que o público quer ouvir. Detesto ir a um show e a banda não tocar os hits, então faço questão de pensar: “o que as pessoas estão esperando”’. E aí eu toco tudo.

Falando em hits, “Queen” se tornou um hino queer. Que peso ela ainda carrega para você?

Dá para sentir o impacto toda vez que toco ao vivo. É uma música que as pessoas esperam, principalmente agora. O mundo sempre foi difícil, mas agora está escancaradamente horrível. E é bom ter um momento de afirmação, de “foda-se” coletivo, divertido, poderoso. Terminamos o show com ela desde o dia em que foi lançada, porque eu nunca soube o que poderia vir depois.

No Front Teeth Perfume Genius Glory Promo 20

Perfume Genius.
Divulgação

Depois de tantos shows e experiências no palco, o que ainda te dá frio na barriga antes de entrar?

O simples fato de subir no palco. Às vezes penso: é loucura cobrar ingresso para as pessoas me assistirem por uma hora. Mas cada apresentação é única, a energia muda, nunca sei o que esperar. E isso é o que mais me empolga.

Se alguém for conhecer o seu trabalho agora, começando por Glory, o que você espera que essa pessoa leve da experiência?

Espero que ela sinta algum conforto. Que se veja no disco, mesmo nas inseguranças. Talvez ache ali um espelho para sentimentos que pareciam solitários demais. Eu não tenho as respostas, mas talvez seja justamente isso o mais reconfortante: ainda sem respostas, seguimos em frente, tentando fazer algo bonito disso.

leia mais
6 exposições em São Paulo para visitar em maio
Adicionar aos favoritos o Link permanente.