Alexandre de Moraes diz que Big Techs posam de neutras, mas têm ideologia política

As grandes plataformas digitais — como Meta, Google, X e Telegram — estão cada vez mais próximas de enfrentar uma nova realidade no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF) já formou maioria para obrigar essas empresas a agir de forma mais ativa contra conteúdos ilegais e reforçar sua responsabilidade no ambiente online.

Nesta quinta-feira (12), o ministro Alexandre de Moraes, um dos principais defensores da regulação das redes, reforçou esse movimento em um voto que direcionou o foco sobre o ponto de que as big techs seriam “neutras” no ecossistema digital.

Durante seu voto, Moraes afirmou que as plataformas não apenas deixam de combater conteúdos criminosos como também impulsionam e monetizam esse tipo de material. “Não há transparência na utilização dos algoritmos. As big techs têm ideologia política, têm crença religiosa. Não há nenhum problema nisso. Só que não podem querer posar de instrumentos neutros, instrumentos imparciais”, criticou.

8 de Janeiro: o caso que acelerou o debate no Supremo

O ministro exibiu no plenário vídeos dos atos do 8 de Janeiro de 2023, quando prédios dos Três Poderes foram depredados. Segundo Moraes, parte fundamental da propagação dos ataques aconteceu pelas próprias redes sociais, que não atuaram para barrar o conteúdo em tempo real.

As redes sociais viram isso se multiplicando e continuaram deixando isso acontecer durante todo o dia 8 de janeiro. Temos mais de 300 pessoas condenadas que se autoincriminaram porque filmavam e postavam nas plataformas, chamando mais gente para destruir”, destacou.

Algoritmos seletivos: Moraes questiona postura das empresas

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Em outro trecho do voto, Moraes revelou um diálogo com representantes de big techs. Segundo o ministro, as plataformas alegaram ser capazes de bloquear 93% dos conteúdos ilegais — como pornografia infantil e violações de direitos autorais — antes mesmo da primeira curtida.

Mas quando questionadas sobre por que o mesmo rigor não se aplica a conteúdos de racismo, fascismo ou discurso de ódio, a resposta foi direta: “Se todos fizerem, a gente faz, porque é esse tipo de conteúdo que gera engajamento”, teria ouvido o magistrado.

Não é censura, é combate ao crime, diz Moraes

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Em um recado direto aos críticos, Moraes reforçou que o STF não busca limitar a liberdade de expressão. O objetivo, segundo ele, é impedir o uso criminoso dessa liberdade para disseminar ódio, fraudes e ataques à democracia.

“Aqui não se discute nenhuma limitação ao exercício da liberdade de expressão. Discute-se a responsabilização pelo abuso criminoso da expressão”, afirmou. “Ninguém jamais defendeu a liberdade absoluta de expressão que alguns extremistas digitais tentam idealizar.”

Durante a sessão, Moraes também mostrou postagens explícitas de racismo circulando livremente nas redes. Um dos exemplos era de um usuário que escreveu: “Se eu ganhasse um real cada vez que sou racista, provavelmente um preto filho da puta iria me roubar”. Moraes foi direto: “Isso é evolução da sociedade? Isso é utilização da liberdade de expressão? Isso é crime”.

O que está em jogo no STF: Marco Civil da Internet no centro da disputa

O julgamento discute a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que atualmente protege as plataformas de serem responsabilizadas por conteúdos de terceiros, salvo em caso de descumprimento de ordem judicial.

No entanto, os ministros avaliam que esse modelo, aprovado em 2014, não dá mais conta dos desafios atuais das redes sociais — que hoje operam com algoritmos sofisticados e modelos de negócios altamente baseados no engajamento de conteúdos, inclusive ilegais.

Além de Moraes, já votaram para impor novas obrigações às plataformas os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes. Apenas André Mendonça divergiu até agora. O julgamento será retomado na próxima terça-feira, quando votarão Edson Fachin, Cármen Lúcia e Nunes Marques.

Novo padrão de responsabilidade: o que pode mudar

Se a proposta defendida por Moraes prevalecer, as plataformas terão que responder por:

  • Conteúdos impulsionados por algoritmos e anúncios pagos

  • Ações de contas inautênticas e robôs

  • Discurso de ódio e ataques antidemocráticos

  • Falhas na prevenção de riscos sistêmicos à democracia

Além disso, empresas estrangeiras seriam obrigadas a manter representantes legais no Brasil e adotar mecanismos de monitoramento preventivo.

Congresso ficou para trás; STF assumiu o protagonismo

Embora o Congresso tenha tentado avançar com o chamado PL das Fake News, a pressão das big techs acabou enterrando o projeto. Diante desse vácuo legislativo, o STF decidiu agir.

Setores da Câmara e do Senado acusam o Supremo de avançar sobre atribuições do Legislativo. Mas, para Moraes e seus colegas, não era mais possível esperar. O impasse ficou ainda mais grave com o descumprimento de ordens judiciais por plataformas como o Telegram e o X.

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