Pedido de vistas suspende votação da mudança de nome do campus da UFSC

Pedido de vistas suspende votação da mudança de nome do campus da UFSC – Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC/Divulgação/ND

Após mais de três horas de discussões, pareceres, depoimentos, apartes e muitas palavras de ordem, a sessão de sexta-feira (13) do CUn (Conselho Universitário) terminou com um pedido de vistas que adiou a votação da mudança de nome do campus da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), no bairro Trindade, em Florianópolis. Uma nova reunião foi marcada para terça-feira (17) à tarde, quando então, sem mais chances de prorrogação, a decisão deverá ser tomada pelos conselheiros.

Tudo se encaminhava para a aprovação da alteração da denominação, que hoje leva o nome do primeiro reitor da instituição, João David Ferreira Lima, até que um membro do Conselho, Alexandre D’Ávila da Cunha, empresário e representante da Fiesc (Federação das Indústrias do Estado) no colegiado, pediu vistas.

O reitor Irineu Manoel de Souza, presidente do CUn, acatou a proposta e encerrou a sessão, mesmo com a pressão dos estudantes, que alegavam que, por questões processuais, D’Ávila da Cunha não tinha direito ao pedido que fez.

“De acordo com o regimento interno do CUn, qualquer conselheiro pode pedir vistas”, justificou o reitor, que é o presidente do Conselho Universitário e comanda todas as suas reuniões.

“O processo agora vai ter o parecer do novo relator e ser novamente debatido. Tanto o processo e o parecer do relator anterior quanto o novo parecer serão encaminhados pelo outro relator e vai haver a votação.”

Com o auditório do Centro de Cultura e Eventos lotado, ele havia tomado medidas de segurança para evitar excessos, como os tumultos que aconteceram na sessão anterior, no dia 6 deste mês.

A sessão foi tensa, com a leitura do parecer da relatoria do processo de alteração do nome do campus e as argumentações da advogada Heloisa Blasi, que defende a família de Ferreira Lima, dos membros da comissão que recomendou a troca com base nas conclusões da CMV (Comissão Memória e Verdade da UFSC) e de familiares de docentes que foram afastados ou presos na ditadura militar, a partir de março de 1964.

As discussões mais acaloradas foram em torno da participação ou não do ex-reitor Ferreira Lima em ações da universidade que resultaram em processos, perseguições e demissões de professores em vista de posturas ideológicos ao longo da década de 1960.

O reitor é acusado de ter colaborado com o regime por meio de ofícios ao SNI (Serviço Nacional de Informações) e de outros procedimentos que resultaram “perseguições e denunciações”, segundo o relatório da comissão especial.

A advogada Heloisa Blasi contesta essas versões, alegando que os documentos citados não existem ou foram perdidos e, assim, nunca chegaram aos órgãos a que se destinavam, em Brasília.

Ex-reitor diz que docentes nunca reclamaram de Ferreira lima

Nos 15 minutos que teve para expor sua posição, Heloisa Blasi afirmou que as conclusões que fundamentam a mudança do nome “são inconsistentes”, o mesmo valendo para o relatório da Comissão Memória e Verdade entregue em 2018, após quatro anos de trabalho.

“Nenhuma portaria com pedido de demissão ou afastamento foi encontrada”, disse. Ela vem apontando supostas irregularidades nas conclusões da comissão e reuniu todos os argumentos no livro “UFSC; Em Nome da Verdade”, de 2024.

Antes disso, em dezembro de 2022 ela protocolou na reitoria um pedido de impugnação do relatório, e o caso está nas mãos da Justiça Federal.

No final, a advogada disse que fez tudo o que podia nas vias administrativa e judicial. Perguntada sobre a iminência da troca de nome do campus, ela afirmou que “há coisas que parecem mais fortes do que qualquer argumento, prova ou manifestação de razoabilidade”.

Pedido de vistas suspende votação da mudança de nome do campus da UFSC – Foto: Gustavo Diehl/Agecom/UFSC/Divulgação/ND

Ela atribuiu as pressões que sofreu ao viés ideológico que acompanhou o processo. “E contra isso muitas é vezes é difícil de lutar”, concluiu.

A posição da advogada da família teve o apoio do ex-reitor Antônio Diomário de Queiroz, com duas gestões à frente da universidade. Ele disse que também foi objeto de inquérito policial durante a ditadura e que mesmo os professores que foram constrangidos pelos militares nunca reclamaram de Ferreira Lima, que foi o maior responsável pela implantação da UFSC, mesmo sendo contra, no início, à transferência do campus para a Trindade.

A homenagem prestada ao primeiro reitor, dando seu nome ao campus, ocorreu em 2003, durante a gestão de Rodolfo Pinto da Luz.

Neto do primeiro reitor criticou pouco tempo dado à defesa

A advogada Heloisa Blasi entrou no caso a pedido do filho do ex-reitor, David Ferreira Lima. Na sexta, que acompanhou a sessão de ontem do Conselho Universitário foi o neto do primeiro reitor da UFSC, Gabriel Couto Ferreira Lima, que criticou o pouco tempo dado a Heloisa para fazer a defesa.

Ele atribui as manifestações de apoio recebidas de autoridades e entidades de Florianópolis e do Estado ao prestígio do avô, que ficou à frente da UFSC de 1961 a 1971. Gabriel disse que é preciso entender o que ocorreu na década de 1960 com o olhar da época.

“É tudo muito diferente de hoje”, ressalta Gabriel. “Meu avô nunca prejudicou outras pessoas, como mostram todos os documentos da advogada. Por isso acho que em 15 minutos não dá par explicar tudo. Não é assim que se discute a memória da UFSC e a história de Santa Catarina. Meu avô fez a universidade com os seus amigos, de forma piloto. Depois disso, andou por mais de 35 países na América Central, na Europa e no leste europeu, falando sobre a universidade que ajudou a criar.”

Primeiro reitor da UFSC, João David Ferreira Lima é acusado de ter colaborado com a ditadura militar durante a sua gestão – Foto: Reprodução/ND

Na alegação do pedido de vistas, o empresário Alexandre D’Ávila da Cunha disse que pela complexidade do caso é preciso dar mais tempo aos conselheiros e aprofundar o debate.

“O que consta nos autos do processo não me dão segurança para votar – nem a favor, nem contra”, afirmou. “Meu pedido é para dar mais luz aos documentos que não conheço. Parece que muitos deles foram disponibilizado hoje [sexta-feira], poucas horas antes da nossa reunião.”

“Ele trabalhou como informante do regime”, afirma membro da comissão

Para o professor Daniel Ricardo Castelan, presidente da comissão especial que fez a lista de recomendações (incluindo a mudança do nome do campus da Trindade), a partir do relatório da Comissão Memória e Verdade da UFSC, a possibilidade que surgiu em 2011 de buscar muitos arquivos até então confidenciais e secretos permitiu descobrir fatos novos sobre os anos de ditadura.

“Muitos desses arquivos foram assinados pelo ex-reitor João David Ferreira Lima”, diz ele. “Ele os encaminhava aos órgãos militares de Santa Catarina responsáveis pela repressão. Ferreira Lima teve um papel importante na criação da instituição, mas ao mesmo tempo trabalhou como um informante do regime, o que provocou sofrimento a muitas famílias.”

Para o professor, “é inaceitável que a universidade homenageie um reitor que recorreu às armas para fazer a perseguição de estudantes e de professores que eram os seus oponentes”.

Agora, a partir da tomada de consciência que foi trazida pelos arquivos, “a universidade pode criar memorial, fazer documentário e assumir seu papel pedagógico de comunicar a comunidade o que é e qual o valor da democracia.”

Caso o nome de Ferreira Lima deixe de batizar o campus da UFSC, a nova denominação ainda está fora das discussões. O próprio reitor Irineu de Souza ressalta que o momento é de decidir pela retirada ou não do nome atual.

Uma possibilidade seria voltar a ser apenas Campus da Universidade Federal de Santa Catarina, ou Campus da Trindade, ou Campus de Florianópolis. “No futuro, se alguém propuser um novo nome, o Conselho Universitário vai também discutir e deliberar favoravelmente”, afirmou o reitor.

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CORREÇÔES

Em relação à entrevista publicada no caderno especial do ND de sexta-feira, foi escrito equivocadamente que a advogada Heloisa Blasi afirmou que não teve acesso ao processo de sua autoria que aponta irregularidades no relatório da Comissão Memória e Verdade, que corre na Justiça Federal. Na realidade, ela não teve acesso aos processos administrativos dentro da UFSC.

Além disso, ao contrário do que foi dito, seu pai, Aluízio Blasi, nunca constou como perseguido. Ele também não trabalhou com diversos reitores da UFSC, mas dedicou-se nos 10 anos após a criação da instituição, da qual desligou-se definitivamente quando assumiu o cargo de desembargador no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

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