Naná Vasconcelos: o percurso de um percussionista

Com sua música, o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos construía imagens.

“É impressionante como os sons criados por ele casam bem com muitos filmes, dos mais variados gêneros, dos dramas e documentários às animações,” diz Patrícia Vasconcelos, a viúva de Naná, curadora do seu acervo e presença ativa na produção de Naná – Do Recife para o Mundo, uma fotobiografia organizada por Augusto Lins Soares. “A música dele era isso: uma combinação de sons e imagens.”

Morto em 2016, aos 71 anos, na mesma Recife onde nasceu e escolheu para viver seus últimos anos, Naná Vasconcelos foi um dos primeiros artistas globalizados e um dos músicos com maior currículo da música mundial.

Ao lado de Airto Moreira, Naná elevou o patamar da percussão e o reconhecimento veio com os prêmios, muitos deles concedidos pela prestigiosa Down Beat (foi eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo na votação feita pelos críticos musicais da revista), e pelas centenas de convites para participar de discos, shows e festivais.

O livro registra isso. E mais: mostra Naná desde as origens em bandas e grupos da sua cidade até as turnês internacionais, com destaque para Nova York – sua base mais constante em três décadas – e Paris.

Logo na abertura, Milton Nascimento recorda que “um dos momentos mais bonitos da minha vida” foi quando “Naná chegou sem avisar na casa onde eu morava e foi logo dizendo: ‘Vim do Recife para tocar com você.” Era 1968. Milton continua seu relato contando que, ao deixar Naná entrar, o músico começou a fazer “um som incrível com panelas, frigideiras, garrafas e copos.”

Formado desde os 12 anos em bailes populares e em conjuntos de cabarés, Naná Vasconcelos chegou ao Rio e foi emendando uma parceria musical em outra. 

“Nos conhecemos logo que ele chegou no Rio pra tocar num festival e ficou,” lembra a compositora Joyce Moreno. “Em 1970, fizemos parte do grupo Sagrada Família, liderado por Luiz Eça. Éramos 13 pessoas e ficamos uma temporada no México. De volta ao Brasil, criamos a Tribo, ao lado de Novelli, Toninho Horta e Nelson Ângelo, mas o grupo durou pouco. Naná saiu para tocar com Gato Barbieri.”

O saxofonista argentino foi o passaporte para as temporadas norte-americana e europeia do músico brasileiro. Vivendo em Paris e circulando nos principais festivais de jazz do mundo, Naná começou a dar uma nova dimensão à percussão em geral e ao berimbau de maneira mais específica.

A inspiração dele, então, vinha de duas vertentes: Villa-Lobos (“O primeiro a compreender que os sons estão na natureza,” dizia Naná) e Jimi Hendrix (“Tento fazer com o berimbau o que ele fez com a guitarra”).

O relacionamento de Naná com Gato foi curto, intenso e complicado. Começou bem, mas degringolou principalmente por causa do comportamento de Michelle, a onipresente mulher de Gato.

“Os solos de Naná eram mais longos que a paciência de Michelle”, atesta Fabiano Canosa, programador de cinema há cinco décadas radicado em Nova York e testemunha dos primeiros dias de Naná na cidade. “Ele me foi apresentado por Glauber Rocha e logo estávamos morando nós três em um loft gigantesco na Rivington St., no East Village.”

“Naná era um encanto, no seu caften colorido e sua cabeleira afro fazia altos solos de berimbau pela extensão do loft, com um dólar de prata entre os dedos.”

Naná – Do Recife para o Mundo registra essa etapa e também a ida para a Europa, onde Naná se aproximou de outro gênio do Free Jazz, o trompetista Don Cherry, com quem teve um convívio – em longas temporadas compartilhadas na Escandinávia – sempre salutar. Com amigos e parentes agregados, eles formaram uma família. “Em 1976, nos reencontramos em Paris e teve o Visions of Dawn, que eu, ele e Maurício Maestro gravamos em Paris, onde Naná estava morando. Ficamos hospedados na casa dele,” conta Joyce.

Aí já era o começo da fase do “Brasil que o Brasil não conhece”, como Naná dizia ao comentar o fato de que era um artista com maior reconhecimento no exterior (já havia ganho oito Grammys, o brasileiro mais premiado) do que em seu próprio país. Fazer esse caminho de volta foi o último desafio que Naná se propôs.

Patrícia foi decisiva nesse momento. Com a nova mulher, Naná manteve o apartamento em Nova York mas passou a ficar cada vez mais no Recife. O nascimento da filha do casal, Luz Morena (que hoje vive em Nova York e trabalha com moda), também foi fundamental para esse reencontro do músico com suas raízes.

“Ele se reconectou — com o ensino de música para crianças, com os maracatus e também com a água,” conta Patricia, explicando como o mar inspirava Naná na forma de compor.

Sentindo-se em casa, Naná também podia agora ser anfitrião, recebendo em sua cidade velhos parceiros como Milton Nascimento, Elza Soares e Jorge Aragão.

“Manter um legado como o de Naná requer um equilíbrio entre grandes projetos e pequenas ações,” diz Patrícia. E Naná – Do Recife para o Mundo é um grande movimento.

Quase uma década depois de sua morte, Naná segue vivo, muito pelo fato de ao longo de sua carreira ter construído uma obra orgânica. Uma arte feita por um músico que sabia que os sons podiam estar no corpo, na respiração e no bater do coração.

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