Prefeitura desfaz 17 casas dentro de cratera formada pelo impacto de um corpo celeste há milhares de anos na Zona Sul de SP


Moradores protestaram contra a ação. Segundo secretaria do Verde, casas estavam irregulares em área tombada e de proteção ambiental. Localizado no extremo sul da capital, o bairro Vargem Grande tem sido estudado há 60 anos por ter se desenvolvido em uma cratera de impacto, nome dado para toda área aberta por meteoro ou cometa. Bairro Vargem Grande se desenvolveu na área da cratera de Colônia
Ricardo Reichhardt/TV Globo
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) realizou, na manhã desta quarta-feira (21), uma operação para desfazer 17 construções irregulares dentro da área tombada e de proteção ambiental da Cratera de Colônia.
A Cratera de Colônia é uma área que se formou pelo impacto de um corpo celeste na Terra entre 5 e 36 milhões de anos atrás. O corpo celeste em questão, segundo pesquisadores, pode ser um meteoro ou cometa.
Os moradores protestaram contra o desfazimento e tentaram impedir a ação ateando fogo e bloqueando ruas. Segundo a Secretaria do Verde, as casas estavam desocupadas na rua Ipê Roxo e não houve feridos na ação.
“Alguns munícipes tentaram conter o trabalho dos agentes municipais, sendo necessária a atuação da Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) para dispersão, continuidade da ação e segurança dos servidores públicos. Construções ocupadas na mesma área não fizeram parte da operação de desfazimento, que integra o programa Regulaparcs para regularização fundiária de parques e unidades de conservação”, diz a Secretaria.
Protesto contra ação que desfez casas em cratera da Zona Sul
Um bairro dentro de uma cratera
Bem no extremo sul de São Paulo, a cerca de 40 quilômetros da Praça da Sé, o marco zero da capital, está o distrito de Parelheiros. Com pouco mais de 130 mil moradores, o local é considerado patrimônio ambiental pela prefeitura devido aos recursos naturais nele encontrados, como nascentes de água e remanescentes da Mata Atlântica.
Mas o distrito também contempla, no bairro Vargem Grande, uma formação geológica que fez com que a área fosse tombada em 2003 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e declarada Monumento Geológico pelo Conselho Estadual de Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo, em 2009.
✅ Clique aqui para se inscrever no canal do g1 SP no WhatsApp
Bairro de SP cresceu em cratera formada pelo impacto de corpo celeste há milhares de anos
Essa formação se trata da cratera de Colônia, que ganhou esse nome por conta do bairro vizinho, uma colônia de alemães (leia mais abaixo), um relevo de depressão em formato circular com 3,6 quilômetros de diâmetro, 400 metros de profundidade e uma borda de 120 metros. Ela foi descoberta acidentalmente no início da década de 60 a partir de fotos aéreas e depois por imagens de satélite.
Em 2021, uma nova pesquisa feita pelo geólogo e professor da USP Victor Velázquez, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), trouxe mais evidências sobre o impacto de um corpo celeste que saiu de algum ponto do sistema solar, atravessou a atmosfera terrestre e se chocou com o solo em alta velocidade, formando a cratera (leia mais abaixo).
A cratera de Colônia, considerada cratera de impacto — nome dado para toda área aberta por corpo celeste na Terra—, foi catalogada no Banco de Dados de Impacto Terrestre, o Earth Impact Database, mantido pelo Centro de Ciências Planetárias e Espaciais na Universidade de New Brunswick, no Canadá.
Essa base de dados contém a relação completa das 190 estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo. Apenas duas são ocupadas por moradores: a cratera de Colônia, no Brasil, e a de Ries, no extremo sul da Alemanha. Ao todo, o Brasil tem 8 crateras desse tipo (veja lista completa abaixo).
A reportagem do g1 esteve em 2024 na cratera de Colônia, conversou com moradores e percorreu as ruas do bairro, além da área onde está sendo implantado o Parque Nacional Cratera de Colônia.
Cerca de 60 mil pessoas moram na Cratera de Colônia, no bairro Vargem Grande, em SP
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Assim que você vai se aproximando do bairro Vargem Grande, em Parelheiros, é possível notar a diferença do local se compararmos com bairros do grande centro de São Paulo.
Praticamente sem trânsito e cercado de vegetação, a sensação é de que realmente se está distante da capital paulista. E antes de chegar ao bairro, é possível encontrar várias placas indicativas sobre a cratera de Colônia e os famosos mirantes que podem ser visitados.
O g1 foi em um dos mirantes acompanhado pelo morador Ozéias de Freitas Ramos. Nele, é possível ver exatamente o formato circular da formação geológica ao redor das casas (veja imagens abaixo).
“Os moradores não sabiam dessa história de cratera, mas nos anos 90 veio a informação de que era cratera de impacto de meteoro. Todo mundo ficou espantado com a notícia. Mas depois se acostumaram e hoje em dia as pessoas têm até certo orgulho de morar em uma das duas únicas crateras habitadas no mundo. Pessoal tem orgulho disso”, conta Ozéias, que mora na cratera de Colônia desde os anos 80.
Ozéias de Freitas Ramos mora na cratera de Colônia desde os anos 80
Paola Patriarca/g1
Ozéias é artista visual e se mudou para Vargem Grande com a família quando tinha apenas 6 anos. Hoje, aos 45, pode descrever como foi o crescimento do bairro.
“Minha família foi uma das primeiras a vir para cá. Acompanhei todo desenvolvimento do bairro, pois são mais de 30 anos de Vargem Grande. Aqui se tornou centro de pesquisa e foi uma coisa legal porque trouxe visibilidade. Todos nós sabemos valorizar”.
Márcia Maria Ferreira Ribeiro é dona de casa e diz que é até emocionante saber que o bairro Vargem Grande surgiu após a queda de um meteoro ou cometa.
“Quando Vargem Grande foi loteado, eu cheguei a ir lá para conhecer o bairro. Não tinha nem casa e iam separar terrenos para as pessoas. Na época, eu vi direitinho o formato da cratera. Acho essa história emocionante, né. Um meteoro caiu próximo da minha casa. É legal”, afirma.
“Eu acho bacana isso [cratera de Colônia]. Meio que enrique a história da região. Moro há 21 anos aqui e desde que eu era criança tem essa história e tinha no livro também. Pessoal da escola vai comentando e vai achando interessante”, complementou o vendedor Natailson de Souza.
Márcia Maria Ferreira Ribeiro, dona de casa
Paola Patriarca/g1
A reportagem do g1 percorreu as principais ruas do bairro, que é tomado de casas entre subidas e descidas. Há apenas três escolas, sendo duas escolas estaduais e uma escola municipal de ensino fundamental. Sinal de telefonia móvel é precário.
E ao redor de tudo isso ainda há a penitenciária Joaquim Fonseca Lopes, criada em 2009 em uma área de 8 mil metros quadrados. Segundo dados divulgados pela Secretaria de Administração Penitenciária, a população carcerária é de 1451, que cumpre pena em regime fechado.
“Por se tratar de um bairro periférico, há diversas coisas que precisam melhorar. Nos primeiros anos a demanda foi a infraestrutura. Mas agora estamos abrindo os olhos para questão ambiental e a cultura, pois tem pouquíssimos dispositivos de cultura. Esses são pontos que são importantes para transformar o bairro melhor do que é hoje”, ressaltou o morador Ozéias.
Bairro Vargem Grande, extremo sul de SP, cresceu em cratera aberta por corpo celeste há milhares de anos
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Área rica para pesquisadores
Segundo Rodrigo Martins dos Santos, geógrafo e diretor de Patrimônio Ambiental da Secretaria do Verde do Meio Ambiente da prefeitura de São Paulo, cratera é toda feição geomorfológica de formação circular na superfície.
Ela pode ser formada por origem celeste (meteoro ou cometa), ou de origem interna, como da própria dinâmica do interior da terra através da movimentação tectônica ou desabamento do solo.
E a área da formação geológica no distrito de Parelheiros é vista como um ambiente rico de patrimônio ambiental, histórico, cultural.
Os últimos estudos feitos pelo pesquisador Victor Velázquez, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), analisaram o solo e encontraram esférulas, sedimentos que só são formados após impacto de corpo celeste nas rochas.
“No material retirado dos poços artesianos foi constatado de que havia esférulas em tamanhos menores de um milímetro. Isso é muito raro de acontecer em uma região concentrada. E como isso não aconteceu no entorno, isso mostra que foi o impacto de um corpo celeste mesmo com potência de cerca de cinco bombas atômicas de Hiroshima”, afirmou o geógrafo Rodrigo.
E complementa: “Estima-se que, na época, o impacto ocorreu entre 36 milhões de anos a 5 milhões de anos. Naquele momento, toda vida que existia num raio de 20 quilômetros foi eliminada”.
Cratera de Colônia no distrito de Parelheiros
Luisa Rivas/Arte g1
Conforme o geógrafo Rodrigo, os estudos na cratera de Colônia permitem saber como foi a mudança do clima e vegetação ao longo dos milhares de anos.
“Fazendo uma análise dos sedimentos dá para saber toda estrutura de polens que foram sendo depositados depois do impacto. Aí dá para saber a mudança, a composição da flora local dos 30 milhões de anos para cá. Mas dá para saber como foi a mudança tanto do clima, das temperaturas, ver a composição florística, os animais, já que pode ter vestígio de animal”.
Por isso essa cratera é tombada. Não só pelo que já foi estudado, mas pelo potencial que ela tem de armazenamento de informação que está ali dentro. Um patrimônio científico do estado de São Paulo”.
Ainda conforme o estudioso, a cratera também está numa região de transição climática, proporcionando diversidade ambiental e científica.
“Daqui da cratera mais para o sul vamos chegando numa região úmida, e daqui para o norte menos úmida. Então, essa transição muda a vegetação. Então, as araucárias começam a aparecer mais para o lado do sul e para o lado do norte mais jerivás, outro tipo de espécie, que é de um clima pouco menos úmido”.
Geógrafo Rodrigo Martins
Paola Patriarca/g1
E por ser uma rica para pesquisadores, mas também um bairro em crescimento, o local se tornou Área de Proteção Ambiental (APA).
“Estamos na região da periferia da cidade de São Paulo, onde veio a se formar o bairro Vargem Grande, que é resultado das discrepâncias do desenvolvimento urbano da cidade. Por isso, a gente tem uma Área de Proteção Ambiental aqui. A prefeitura criou essa área para conciliar o desenvolvimento humano com o desenvolvimento sustentável”.
“Com ocupação urbana temos a de Colônia e Ries, na Alemanha, que tem 120 mil habitantes. A nossa aqui no Brasil tem aproximadamente 40 mil. Então, ela ainda é menos ocupada do que da Alemanha, que é ocupada desde os tempos medievais. Mas isso [ocupação] mostra a fragilidade. Todo o esgotamento das casas corre para o interior da cratera, que é formado por um material muito poroso, muito sensível. Como é uma várzea, por isso o nome do bairro é Vargem Grande, porque é uma vargem bem grande, tem toda a questão de que não se tornar um local muito poluído”.
Por que cratera de Colônia?
Mistérios de SP: Cratera na zona sul foi formada após queda de meteoro há milhões de anos
Segundo o geógrafo Rodrigo Martins, o nome cratera de Colônia surgiu porque quando o local passou a ser estudado por pesquisadores, o ponto de referência era o bairro vizinho, chamado Colônia Paulista.
“Colônia vem por causa de um bairro, antiga colônia alemã, um antigo povoamento de um projeto imperial do Dom Pedro I de criar colônias estrangeiras do Brasil independente. Foi um dos primeiros implantados e deram nome de Colônia alemã. No momento da Segunda Guerra Mundial, o Brasil declarou guerra contra a Alemanha e tudo que tinha o nome da Alemanha teve que ser abrasileirado. A Colônia Alemã, no caso, virou Colônia Paulista. E é por isso que chama cratera de colônia, que era povoação mais próxima da formação geológica”.
Placa em área onde está sendo implantado o Paque Natural Cratera de Colônia
Paola Patriarca/g1
O que falta ainda comprovar?
Pesquisas ainda continuam sendo feitas na área da cratera de Colônia. Ainda é preciso apontar: o material de origem e o tempo certo do evento, estimado entre 5 milhões e 36 milhões de anos atrás.
“Não se encontrou nenhum vestígio do meteorito. Então, é possível que a continuação dessas pesquisas traga essas evidências que vai ser uma novidade para a academia muito bem-vinda. Além dos estudos paleoclimáticos, palogeográficos, como era a paisagem do passado, como era o clima do passado. E é sempre bem-vindo jovens que queiram entrar no programa de pós-graduação e procurar trazer novas informações”, diz o geográfo Rodrigo.
“A USP é a principal, mas temos professores da Unicamp, da Europa, que também estudam e que tem parceria com a comunidade, prefeitura, que fazem essas investigações.
O que diz a Secretaria do Verde do Meio Ambiente
Em entrevista ao g1, Luccas Guilherme Rodrigues Longo, gestor da unidade de conservação da Secretaria do Verdo e do Meio Ambiente, falou sobre a implantação de um parque natural na área da cratera de Colônia e sobre a preservação do local.
“A gente vem atuando há mais de 20 anos no local através da gestão da Área de Proteção Ambiental, A APA Capivari Monos, que é a primeira unidade de conservação do município de São Paulo e onde coexiste com o Parque Natural Cratera de Colônia. E através da gestão dessa unidade, a gente vem fazendo várias iniciativas, no sentindo de mobilizar a comunidade e a população, e garantir a geração de conhecimento a respeito da cratera de colônia”.
“A gente está falando de um lugar extremamente significativo que é tombado pelo patrimônio histórico do estado e município, e vem sendo um objeto de pesquisa por inúmeras faculdades, não só nacionais, mas internacionais. Nesse sentido, está sendo realizado um projeto científico, organizado e coordenado pela USP e Unicamp, que vem trazendo informações importantes através das mudanças climáticas, da observação dos sedimentos que compõe a cratera de colônia”.
Luccas Guilherme Rodrigues Longo, gestor da unidade de conservação da Secretaria do Verdo e do Meio Ambiente
Paola Patriarca/g1
Luccas ressalta a importância dos sedimentos da cratera de colônia revelarem informações para as mudanças e adaptações climáticas.
“Várias espécies já foram descobertas. São mais de 400 metros de profundidade e que ainda vai poder revelar muitas informações. Ao mesmo tempo estamos falando, acima do solo, de um patrimônio ambiental muito significativo”.
A APA Capivari Monos e as unidades de conservação estão inseridas em um polo de ecoturismo no município de São Paulo. É o polo de ecoturismo do Grajaú, Parelheiros e Marsilac, ressalta o gestor.
“É uma política pública, iniciada pela APA Capivari, que promove o uso sustentável através do turismo, rural, pedagógico, de natureza, de saúde e bem-estar em relação à natureza. Nesse sentido, é uma política pública que vem promovendo várias iniciativas para que através do turismo haja geração de renda local, preservação e conservação da natureza”.
Declarada Monumento Geológico pelo Conselho Estadual de Monumentos Geológicos do Estado de São Paulo, em 2009
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Crateras de impacto pelo mundo
O Earth Impact Database (EID) compreende uma lista de estruturas de impacto confirmadas em todo o mundo. Até o momento, existem 190 estruturas de impacto confirmadas na base de dados.
Essa base de dados surgiu quando uma pesquisa sistemática de crateras de impacto foi iniciada em 1955 pelo Observatório Dominion, Ottawa, sob a direção de Carlyle S. Beals.
Conforme divulgado pelo Earth Impact Database, os dados foram alcançados através do estudo de mais de 200 mil fotografias aéreas do Escudo Canadense. Desde então, a lista cresceu à medida que novas crateras foram adicionadas.

Quando o grupo de impacto do Observatório Dominion mudou para o Geological Survey of Canada (GSC) no final da década de 1980, foi desenvolvida uma listagem mais formal.
Já em 2001, após o término dos estudos de impacto no GSC, o banco de dados foi transferido para o Centro de Ciências Planetárias e Espaciais da Universidade de New Brunswick, Canadá. O site é atualmente administrado por John Spray, diretor do Centro de Ciências Planetárias e Espaciais.
As duas únicas crateras de impacto habitadas no mundo são: Colônia, extremo sul do estado de São Paulo, e Ries, extremo sul da Alemanha. A de Ries tem 24 quilômetros de diâmetro e é ocupada por mais de 100 mil moradores.
As crateras de impacto no Brasil são:
Cerro do Jarau – Rio Grande do Sul
Vargeao Dome – Santa Catarina
Vista Alegre – Paraná
Colônia – São Paulo (ocupada por habitantes)
Araguainha – Mato Grosso
Santa Marta – Piauí
Serra da Cangalha – Maranhão
Riachao Ring – Maranhão
VEJA FOTOS DA CRATERA DE COLÔNIA
Cratera de impacto Colônia, no distrito de Parelheiros, extremo sul de SP, foi tombada pelo estado em 2003
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Bairro Vargem Grande, extremo sul de SP
Paola Patriarca/g1
Cratera de Colônia tem 3,6 quilômetros de diâmetro, 400 metros de profundidade e borda de 120 metros
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Cratera de Colônia no extremo sul de SP
Paola Patriarca/g1
Cratera de impacto Colônia, no distrito de Parelheiros, extremo sul de SP, foi tombada pelo estado em 2003
Ricardo Reichhardt/TV Globo
Cratera de Colônia no extremo sul de SP
Paola Patriarca/g1
Área da Cratera de Colônia no extremo sul de SP
Victor Velazquez Fernandez/USP

Adicionar aos favoritos o Link permanente.