“Ao ar livre”. A natureza de Monet quebra recordes no MASP

Um dos pintores mais importantes e adorados de todos os tempos, Claude Monet teve uma vida marcada por perdas afetivas, crises financeiras e depressão.

A arte e a natureza foram sua salvação.

Esta trajetória de desafios e redenção está em A Ecologia de Monet, em cartaz no MASP até 24 de agosto. Já na primeira semana, a mostra quebrou o recorde de público em uma estreia (que até então pertencia a Tarsila Popular), com mais de 15 mil visitantes. 

Foram sete anos de muita pesquisa e intensas negociações com mais de 20 instituições para conseguir trazer 30 telas ao Brasil. A mostra tem 32 obras no total, sendo duas do próprio MASP.

Com curadoria de Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, a mostra se insere no ano das “Histórias da Ecologia”, e está dividida em cinco núcleos ligados à natureza e à vida do artista. 

Oscar Claude Monet nasceu em Paris em 1840. Contrariando o pai, que queria que ele trabalhasse no comércio familiar, decidiu estudar arte. Sem ajuda financeira, começou cedo a fazer caricaturas para sobreviver. A escassez econômica marcou sua vida por muitos anos.

Quando perdeu seu primeiro filho, caiu em profunda depressão e se atirou no Sena. Sobreviveu por pouco, e o apoio da primeira mulher e sua grande musa, Camille, foi fundamental para sua recuperação. 

Camille foi retratada em mais de 30 obras e foi a figura central de seu trabalho até seu precoce falecimento, retratado na famosa e emocionante Camille no leito de Morte, que pode ser vista no Museu D’Orsay, em Paris. Depois da morte de seu amor, Monet se afastou dos retratos e focou em paisagens.

A forma de pintar paisagens mudou a partir do convívio com o pintor Eugene Boudin, que também foi fundamental para Monet. Com Boudin, ele aprendeu a pintar as paisagens “en plein air”, ou seja, fora do estúdio, enveredando por uma representação livre e naturalista.

Os novos traços soltos escandalizaram o establishment parisiense, e suas telas foram rejeitadas pelo Salão de Artes, então o local de validação e divulgação de pintura no século XIX.

Sem ter onde expor, Monet se juntou a Degas, Manet, Pissarro e Renoir, e juntos criaram uma exibição independente em 1874.

Monet apresentou Impressão, Nascer do Sol, de 1873, que tinha uma aparência inacabada, com formas não definidas. A crítica – chocada – chamou o grupo de “impressionistas” (de forma irônica e pejorativa), a partir do título do quadro de Monet.

O deboche não abalou o grupo e os fez adotar o termo como denominação oficial do movimento, que marcava a ruptura com os padrões artísticos vigentes.

Naquele momento, Monet morava às margens do Sena, em Argenteuil, pintando principalmente cenas do rio, como barcos, regatas e pontes. No MASP, na sala “O Sena como Ecossistema”, a água aparece como um motivo desde o começo da vida em Havre, no norte da França, onde o Sena deságua no Atlântico.

Monet percorreu grande parte dos 770 km do rio (a expografia com paredes curvas no centro da sala mimetizam o percurso do rio). No núcleo “Os barcos de Monet”, as barcas são mostradas de pontos de vista elevados, eliminando a noção de uma linha do horizonte.

Esse período em Argenteuil rendeu outras grandes obras, como a exploração de efeitos da modernidade na série de quadros da Estação Saint-Lazare, analisando os efeitos do vapor e da fumaça na luz que entrava na estação. Em outra sala, denominada “Neblina e Fumaça”, essas transformações urbanas e industriais são retratadas durante uma viagem a Londres, onde o ar era carregado pela fumaça das indústrias instaladas às margens do Tâmisa. Monet era fascinado pelo fog inglês. 

Os impressionistas seguiram mostrando seus trabalhos em mostras informais – o Salão dos Impressionistas – até 1879, sem reconhecimento comercial e com grandes dificuldades financeiras. Mas a partir daquele ano as coisas começaram a mudar, com maior reconhecimento e aceitação, e Monet passou a ser representado por um relevante galerista de Paris. 

A fase de maior estabilidade financeira e produção prolífica do artista coincidiu com sua mudança para Giverny, uma área então rural a 75 km de Paris e que virou seu refúgio por mais de quatro décadas. Lá, Monet exercitou seu lado paisagista, criando o cenário ideal para suas pinturas, pecando por uma certa artificialidade, trazendo plantas vindas de regiões distantes, como o Japão.

Os curadores selecionaram obras para o núcleo “Giverny: Natureza Controlada” a fim de exemplificar um ponto central: Monet oscilava entre a defesa/adoração ao meio ambiente e o desejo de tolher e adaptá-lo a seus interesses.

“Ele não hesitou em moldar a natureza de modo a possuir as vistas e cenas de que precisava para pintar, incluindo promover o desvio do pequeno rio Epte para dentro de sua propriedade, apesar dos protestos dos antigos habitantes da região,” escreve o curador Fernando Oliva no livro da exposição. “Por outro lado, seu elogio à potência e à primazia do mundo natural tem sua contrapartida tanto em visões idílicas da presença do homem no meio ambiente quanto em representações de fato da ação humana sobre o ambiente, como na célebre série feita em Londres, marcada pela presença das chaminés das fábricas e da poluição do ar nas vistas da Ponte de Waterloo e de Charing Cross.”

O argumento de uma possível dicotomia em relação à natureza foi fruto de uma pesquisa bem fundamentada que norteou a seleção das obras. A reflexão é interessante como ponto de partida para a exposição e para sua inserção dentro do tema da série anual “Histórias” (a marca registrada da curadoria de Pedrosa).

No entanto, essa associação com a ecologia não é tão comum ou unânime. Muitos estudiosos do artista, assim como o próprio, dizem que seu maior interesse sempre foi registrar o que sentia ao ver as mudanças do tempo na paisagem, capturar o instante fugaz em que a luz muda no decorrer das horas. 

O que é diferente de um Frans Krajcberg, que também faz parte das Histórias da Ecologia em uma exposição simultânea no piso inferior do museu e foi um símbolo da arte engajada na causa ambiental. As esculturas de Krajcberg eram um meio de denunciar e protestar contra a degradação ambiental. 

Monet, por outro lado, dizia que “o motivo é algo secundário; o que quero reproduzir é o que está entre o motivo e eu.” Ou seja, a impressão, a atmosfera, a luz e a cor eram o que verdadeiramente importava em sua arte. 

No final da vida, com problemas de visão, tudo parecia envolto em névoa, o que se refletiu nas pinceladas mais grossas e menos definidas de Monet. As cores foram ficando mais amareladas e avermelhadas, os azuis, mais escuros e opacos, e foi nesta época que ele pintou suas obras mais conhecidas: a série das Nymphéas, o ápice de sua conexão visceral com a paisagem que criou.

O jardim deixou de ser um motivo de suas pinturas para ser um modo de vida. “Minha maior obra de arte é o meu jardim,” dizia.

Ponte Monet

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