Rita Lee foram várias. Estes docs tentam iluminar algumas

Foi mais ou menos depois de gravar Mania de Você, em 1979, que Rita Lee passou a alcançar públicos maiores e se tornou a maior popstar do País. 

Já unida musical e emocionalmente a Roberto de Carvalho, a partir dali Rita gerou sucessos que iam do pop à mistura que ela batizou como “rockcarnaval” – uma combinação do gênero americano com ritmos brasileiros, como os sucessos Lança Perfume e a própria Mania de Você.

A multiplicidade musical que marcou sua carreira também se fez presente no campo pessoal. Agora, há pelo menos dois documentários que jogam luz sobre as diversas facetas dessa artista inimitável. 

Ritas, de Oswaldo Santana, está nos cinemas e tem como (enorme) atrativo a história contada pela própria protagonista – uma entrevista de 2018, a última que ela viria a dar. 

No filme, Rita repassa sua biografia e há cenas históricas ao lado do Tutti-Frutti, do show Refestança, que dividiu com Gilberto Gil, e duetos magistrais com Maria Bethânia (em Baila Comigo) e João Gilberto em Jou Jou Balangandans.

Em determinado momento do doc, a cantora fala que Rita Lee é “uma personagem”. De fato, ela é uma das figuras que encarnou ao longo de mais de cinco décadas de trajetória musical. 

Rita Lee foi, entre outros, um corintiano metido a paquerador (que aparece numa cena hilária ao lado de Gilberto Gil), a estabanada Gum-Gum, uma freguês de loja de discos de atitude misteriosa (no filme Durval Discos) e a socialite Adelaide Adams.

Mas nada é melhor do que a Rita em carne e osso, mostrando raridades em seu muquifo – entre eles fotos e reportagens e uma coleção de imagens de santos –, falando de seu amor por James Dean e em momentos ao lado de Roberto de Carvalho na chácara do casal.

Já Rita Lee: Mania de Você, em cartaz na HBO Max, nasceu como mais um documentário a respeito da cantora e compositora. O enredo, porém, sofreu alterações quando Rita foi diagnosticada com câncer de pulmão em 2021 – a doença que a mataria três anos depois.

O cineasta argentino Guido Sardenberg exclui certos momentos da carreira de Rita. Os Mutantes, por exemplo, quase nunca são citados (há rumores de que eles não teriam autorizado cenas do grupo na produção). Por outro lado, Luiz Carlini, guitarrista e mentor do Tutti-Frutti, aparece falando sobre Fruto Proibido, de 1975, disco no qual Rita se afirmou como a principal roqueira brasileira. 

Carlini era um desafeto de Rita, que falou mal do músico em sua autobiografia – na versão da família da cantora, era hora de evitar um “bad karma”. Uma ótima ideia: as palavras de Carlini sobre Rita são de uma elegância e carinho ímpares.

Rita não quis se enquadrar no perfil pop que lhe foi imposto pela Philips, a gravadora que lançou os discos dos Mutantes e soltou Atrás do Porto tem uma Cidade (1974), seu primeiro disco solo. Pediu para sair da companhia e foi para a Som Livre, por onde lançou boa parte de seus discos dos anos 1970 e 1980.

Mania de Você mostra a transmutação da Rita Lee roqueira na maior popstar brasileira em todos os tempos. 

O lado pessoal traz os dramas causados por seu abuso de substâncias químicas e etílicas – e é particularmente doloroso ver o depoimento de Beto Lee, o primogênito da cantora, narrando as situações nas quais presenciou a mãe fora de seu estado normal.

O casamento com Roberto de Carvalho, oficializado em 1996, passou longe do clichê comercial de margarina: Mania de Você mostra como a relação foi construída na base do amor e do companheirismo, por mais turbulências que o casal tenha enfrentado em quatro décadas de convivência.

O documentário de Goldberg termina com outra carta, endereçada a Roberto e filhos, escrita pouco antes da morte de Rita. Pouco se pode dizer de seu conteúdo: é necessário assistir e perceber o amor presente em cada sílaba, cada sentença.

Ritas e Mania de Você são complementares e obrigatórios para se conhecer a fundo a incrível, a insubstituível, a ininventável Rita Lee Jones.

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